Apagão de mão de obra, apagão de liderança, apagão de força qualificada de trabalho. Ao mesmo tempo que o Espírito Santo vive um momento único de desenvolvimento, carece de ferramentas para aproveitar as oportunidades que se apresentam à medida que os investimentos acontecem. E a principal ferramenta para virar o que o mercado oferece em valor real é a Educação.

É assim que pensa o diretor-presidente da Fucape Business School, Valcemiro Nossa. O doutor em Ciências Contábeis e Controladoria pela Universidade de São Paulo acredita que as conexões entre academia e setor produtivo podem, de fato, mudar o patamar econômico do Estado. E iniciativas práticas já estão em curso para que isso aconteça, com a Fucape como vetor dessa interação.

A escola de ensino superior é considerada pelo MEC uma das 10 melhores instituições do Brasil, título conquistado por 10 anos seguidos. Para se manter na posição, o professor aposta em negócios disruptivos, recheados de inovação e com visão de agentes de fora.

Veja abaixo a entrevista: 

O que a academia acha do momento econômico do Espírito Santo hoje?

Olhando para o Espírito Santo, acho que estamos num momento bom. O Estado fez o seu dever de casa ao longo dos anos e vemos reflexos positivos disso hoje. O governo está com as contas em dia e o empresariado está pujante, querendo desenvolver negócios. Além disso, a segurança jurídica melhorou bastante em relação ao passado.

O ambiente atual é propício para apostar no desenvolvimento de novos negócios. Claro que, ao olhar para o Brasil e o cenário internacional, como guerras, ainda existem incertezas. No entanto, se você fez o dever de casa, a probabilidade de avançar bem é maior, mesmo com fatores externos que possam afetar.

O que significa segurança jurídica para os negócios?

Segurança jurídica significa ter previsibilidade. Embora nunca se tenha certeza absoluta, trata-se de confiar que as regras não mudarão de forma abrupta.

No passado, há cerca de 20 ou 25 anos, o Espírito Santo tinha um sistema político e executivo em que as regras mudavam de um dia para o outro, prejudicando os negócios. Grandes empresas, como a Xerox, deixaram o Estado por causa disso.

Com o tempo, conseguimos estabilizar as regulamentações e envolver mais os empresários nas decisões. Hoje, há uma sensação maior de segurança para investir, pois os projetos podem seguir sem serem interrompidos por mudanças inesperadas.

Apesar disso, ainda existem ajustes a serem feitos, e o cenário federal é menos previsível, o que pode nos impactar indiretamente.

Como aproximar a academia da prática para promover o desenvolvimento econômico?

Esse é um tema muito relevante. Em países como os Estados Unidos, a conexão entre academia e mercado é natural. Muitos desenvolvimentos começam dentro das universidades ou em colaboração direta com o mercado. No Brasil, essa cultura está se formando aos poucos. Na Fucape, por exemplo, temos trabalhado para fortalecer essa conexão desde o início.

Hoje, temos startups e empresas maduras sediadas na instituição, o que permite discutir problemas e buscar soluções conjuntamente. Apesar desses avanços, ainda há muito a ser feito.

A academia precisa direcionar suas pesquisas para atender às necessidades reais do mercado e envolver os empresários em discussões acadêmicas.

 

Também temos trabalhado para captar recursos do setor privado, o que permite formar pessoas e desenvolver soluções aplicadas. É um trabalho conjunto que beneficia tanto a academia quanto o mercado.

Como o mercado demanda a academia?

Um dos principais caminhos é pela busca de mão de obra qualificada. Escolas que formam profissionais que resolvem problemas são as mais procuradas. Outro caminho é levar problemas práticos para a academia, que pode ajudar através de pesquisas e soluções inovadoras.

Na Fucape, por exemplo, montamos equipes de alunos e professores para pensar soluções para problemas reais apresentados pelas empresas. Esse processo ainda está em crescimento, mas tem gerado bons resultados. Empresas instaladas dentro da instituição trabalham em sinergia com a academia, criando soluções inovadoras.

Na sua opinião, qual formação tende a oferecer o melhor retorno no Estado?

Existem várias áreas de formação, mas algo que considero essencial e transversal a todos é a formação em negócios e solução de problemas. Muitos têm uma especialidade técnica, mas não sabem lidar com o negócio em si.

Conhecimentos em liderança, estratégia, finanças e sustentabilidade são indispensáveis para quem quer prosperar. Isso, combinado com a especialidade técnica, dá a visão clara de como buscar investimento, alocar recursos e crescer.

É claro que parece simples, mas sabemos que é desafiador. Ter uma visão ampla dessas áreas, além do conhecimento técnico, é fundamental.

Esses conhecimentos sobre negócios e liderança podem ser adquiridos, mesmo sem uma “vocação natural”?

Com certeza. A ideia de que “está no sangue” ou “vem da família” é válida, mas são exceções. A maioria das pessoas precisa se desenvolver.

Você não precisa ser um especialista profundo em todas as áreas, mas deve ter uma visão global para tomar decisões fundamentadas e evitar vulnerabilidades no negócio. Esse desenvolvimento é possível e necessário.

Como você enxerga a concorrência na educação superior aqui no Espírito Santo?

Hoje, o mercado de educação no Espírito Santo é muito mais competitivo do que há 25 anos. No início, as pessoas precisavam buscar formação em negócios fora do Estado, mas isso mudou.

A concorrência existe, mas nossa escola, por exemplo, tem um público-alvo que nos posiciona de forma diferente, competindo mais com instituições de fora do Estado.

A pandemia trouxe mudanças no perfil dos alunos e nos modelos de ensino, o que nos levou a reformular cursos e criar novas ofertas mais alinhadas às demandas atuais, como o Master Business Experience, voltado para futuros líderes.

Como a experiência prática é integrada aos cursos da sua instituição?

Temos trazido executivos de mercado para atuarem como instrutores, mentores e debatedores nas salas de aula, enriquecendo o aprendizado com casos reais. Essa abordagem gera debates sobre as dores específicas dos alunos, trazendo o mercado para a academia e criando uma experiência prática e relevante.

Qual o impacto de conectar a formação executiva ao cenário econômico do Espírito Santo?

A conexão com o cenário local é muito rica. Além de segurança jurídica e uma economia pujante, nossos cursos criam oportunidades de networking e aprendizado prático.

Esse ambiente de troca entre executivos de diferentes áreas permite resolver problemas e identificar oportunidades.

Por exemplo, já vimos casos em que resíduos de uma empresa se tornaram insumos para outra, solucionando questões ambientais e gerando lucro para ambas.

Como foi ser reconhecido como Líder Empresarial na categoria de ensino superior privado?

É uma grande responsabilidade. Esse reconhecimento não é só meu, mas de toda a equipe que trabalha comigo. Isso reforça a importância do trabalho que desenvolvemos, trazendo progresso ao setor e ao Estado. Ser líder é apontar caminhos que possam ser seguidos e adaptados por outros.

Como identificar oportunidades no setor de educação?

O mercado sempre mostra sinais, como mudanças de demandas e tendências. Ficamos atentos a essas “fumacinhas”. Recentemente, percebemos uma demanda crescente por imersões em empresas ou universidades, tanto no Brasil quanto no exterior.

Estamos estruturando programas para atender a isso. Também lançamos cursos executivos mais curtos e específicos para atender as necessidades pontuais.

O modelo educacional está em constante mudança, e estamos sempre buscando inovar e adaptar nossas ofertas.

Qual é o papel do empreendedorismo dentro da academia e como isso reflete no momento econômico atual?

O empreendedorismo é um tema cada vez mais discutido, e é essencial para alavancar a inovação. No nosso Estado, temos amadurecido nessa área, com a criação de hubs de inovação e ambientes que acolhem novas ideias.

Hoje, existem redes de apoio que oferecem mentorias, projetos de aceleração e ajudam a moldar ideias promissoras. Dentro da academia, isso ganha ainda mais força, pois combina conhecimento técnico com suporte para desenvolvimento de negócios.

Por exemplo, recentemente tivemos um edital para startups que selecionou três delas para um programa de aceleração de seis meses, onde as ideias serão ajustadas e fortalecidas.

Como as lideranças empresariais podem contribuir para o desenvolvimento do Estado?

As lideranças empresariais devem se posicionar ativamente, formando grupos e iniciativas que promovam avanços econômicos. Um exemplo é o movimento Espírito Santo em Ação, que ajudou a criar maior segurança jurídica no Estado.

Recentemente, tivemos o lançamento do LIDE, que é um grupo de líderes empresariais voltado para gerar conexões e discutir soluções para o desenvolvimento do estado.

A ideia é unir esforços do setor privado com o governo para avançar em iniciativas de impacto positivo.

Como você avalia o ano de 2024 em termos de estrutura para empreendedorismo e inovação no Estado?

Percebemos um amadurecimento do ecossistema de inovação. Muitas ideias que surgiram após o boom de inovação entre 2021 e 2022 agora estão se consolidando.

O governo tem apoiado essas iniciativas e há mais conexão entre diferentes setores. Embora ainda haja muito a ser feito, estamos no caminho certo para avançar.

Quais setores estão mais avançados no Estado?

A logística é um dos setores em destaque, com o crescimento de galpões logísticos e investimentos em portos, como o Porto da Imetame e a expansão de Portocel. No agro, vemos uma maior profissionalização dos produtores, o que também contribui para avanços significativos.

Esses setores estão atraindo investimentos e gerando demandas por serviços complementares, criando um ecossistema robusto.

Qual é o maior ponto de atenção para o estado atualmente?

A qualificação de mão de obra é um grande desafio. Com o crescimento de novos negócios, é essencial investir em educação para atender às demandas do mercado.

Se não conseguirmos qualificar a força de trabalho local, as empresas terão que buscar profissionais de fora, o que não é ideal para o desenvolvimento regional.

Onde você espera estar daqui a cinco anos?

Espero que minha empresa esteja altamente profissionalizada e gerando muito valor para a sociedade. Pessoalmente, talvez eu não esteja mais como CEO, mas quero estar envolvido em novos projetos e contribuindo de outras maneiras.

Valcemiro Nossa é diretor-presidente da Fucape Business School

Veja abaixo a entrevista completa:

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