Não é à toa que o gesto de apontar os dedos para o infinito é a marca registrada de Usain Bolt. De fato, o que ele fez nas pistas de atletismo na última década o transformou em um homem inalcançável, sem limites. Agora, às vésperas da aposentadoria, o jamaicano parece menos arrogante. Aos 30 anos, a impressão é de que o supercampeão resolveu deixar a soberba de lado.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o maior velocista da história evitou respostas autoafirmativas ou autolouváveis. Não repetiu, por exemplo, que é uma lenda ou o maior atleta vivo, como afirmara em 2012, durante os Jogos Olímpicos de Londres.
Mesmo mais comedido, Usain Bolt não deixa de ser confiante. “Eu traço metas a serem alcançadas todos os anos. Quero ser lembrado como um dos maiores esportistas de todos os tempos”, respondeu ao ser questionado sobre como continua motivado após conquistar tudo que era possível.
Nem mesmo a insistência da reportagem, ao recordar que nos Jogos Olímpicos do Rio-2016 ele afirmara que gostaria de ser lembrado no esporte como Muhammad Ali e Pelé, fez Usain Bolt se auto elogiar. “A história responderá a essa pergunta”, disse.
Após tirar dois meses de férias depois da Olimpíada do Rio, o jamaicano tem se dedicado aos treinamentos para o próximo Mundial de Atletismo, que será disputado em agosto, em Londres. Será a última competição dele na carreira. Para o último ato, o velocista evita fazer projeções de resultados ou das provas. Ele só deseja curtir o carinho do público. “Quero ver os fãs pela última vez”.
O estádio Olímpico de Londres, inclusive, é especial para o jamaicano. Foi ali, em 2012, que ele conquistou três medalhas de ouro nos Jogos de 2012 (100 metros, 200 metros e revezamento 4×100 metros). Quando repetiu, em Londres, o desempenho impecável da Olimpíada de Pequim, na China, quatro anos antes, passou a ser considerado a partir daquele momento, pelos próprios adversários, o maior velocista de todos os tempos, condição confirmada em 2016 no Rio com outras três medalhas douradas.
Ao avaliar a carreira, o homem que reinou nas pistas e pulverizou recordes tem apenas um senão. “Infelizmente, não corri os 200 metros abaixo dos 19 segundos”, lamentou. Apesar de os 100 metros serem a prova mais nobre do atletismo e centro das atenções, os 200 metros sempre foram a prova preferida de Usain Bolt – desde a adolescência, aos 15 anos, quando ele conquistou o Campeonato Mundial Juvenil, realizado em Kingston, na Jamaica, e se tornou o mais jovem campeão júnior de atletismo.
Mesmo sem ter alcançado o objetivo de quebrar a barreira dos 19 segundos nos 200 metros, Usain Bolt é soberano na prova e detém os recordes olímpico e mundial. Em 2008, cravou 19s30 nos Jogos de Pequim. Um ano depois, baixou a marca para 19s19 no Mundial de Berlim, na Alemanha. Também é recordista absoluto nos 100 metros.
Com a aposentadoria de Usain Bolt se abre uma nova perspectiva na modalidade. Durante mais de uma década o jamaicano não teve concorrentes. Ele disputava uma prova olímpica como se fosse um campeonato escolar, tamanha a diferença para os concorrentes. Hoje ninguém arrisca dizer se existirá alguém que poderá, um dia, correr mais rápido do que Bolt.
Nos Jogos do Rio, por exemplo, uma imagem de Usain Bolt ganhou as capas dos jornais pelo mundo. Na foto, tirada durante a semifinal dos 100 metros rasos, o jamaicano olha para trás e sorri dos seus adversários antes mesmo de cruzar a linha de chegada.
A imagem ilustrou a superioridade de Usain Bolt e a falta de velocistas para ocupar o vácuo que a aposentadoria deixará no esporte a partir de setembro. Também não foram raras as vezes em que Bolt saiu comemorando a vitória alguns metros antes, com a mão no peito ou o dedo indicador na boca pedindo silêncio. Tudo isso em menos de 10 segundos.
O próprio Usain Bolt não vê alguém em condições de substituí-lo na história do esporte. “Não pensei em ninguém. Outros atletas até podem correr rápido, mas só vai existir um Bolt”, disse ao jornal O Estado de S.Paulo.
Realmente Usain Bolt é um sujeito ímpar. Ele conseguiu rapidamente se sobressair dentro da melhor geração de velocistas da Jamaica e, até começar a colecionar medalhas olímpicas, imaginava-se que nunca um atleta com a sua estatura pudesse correr tão rápido e quebrar recordes.
Com 1,96 metro e 94 quilos, Usain Bolt tem um físico que destoa de qualquer outro corredor. O seu porte esguio está mais próximo ao de um jogador de basquete ou vôlei, por exemplo. Por isso, Stephen Francis, o badalado técnico de Asafa Powell, chegou certa vez a compará-lo a Albert Einstein, Isaac Newton e Beethoven. “Há pessoas que são exceções. Não há explicação para o que Bolt faz”.
Usain Bolt conseguiu se tornar um mito do esporte com uma carreira totalmente limpa, sem nunca ter se envolvido em casos de doping, o que parece raro no atletismo nos dias de hoje. Esse é o seu legado nas pistas e maior orgulho. Limpo, ganhou nove medalhas de ouro em três edições consecutivas de Jogos Olímpicos.
A coleção dourada só diminuiu para oito conquistas neste ano depois que o companheiro Nesta Carter, que disputou o revezamento 4×100 metros ao seu lado, testou positivo para metilhexanamina nos Jogos de Pequim – o corredor foi pego em um exame refeito pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2016. Usain Bolt não esconde a dor da perda de uma medalha suada, mas é direto quando questionado sobre o doping no esporte. “Eu mostrei ao mundo que você pode ser bem sucedido competindo limpo”.
A pouco mais de dois meses para o Mundial de Londres, Usain Bolt já faz planos para a aposentadoria. A prioridade é passar mais tempo em casa, na Jamaica, sem a obrigação de cumprir intensa rotina de treinos e viagens para competir. “Relaxar sabendo que meus pais, minha família e meus amigos estão bem é o que mais me faz mais feliz”, disse.
Ainda não está definido qual será o seu papel no atletismo a partir de setembro, mas é certo que continuará ligado ao esporte. Um sonho é, quem sabe, jogar futebol um dia. Outro é não ser interrompido nos momentos de lazer, especialmente durante as refeições em família. “Quando saio para jantar, fico louco quando, a cada mordida, sou interrompido para tirar uma foto”. Usain Bolt vai envelhecer cheio de histórias para relembrar.
As informações são do Estadão Conteúdo.