“Foi a maior experiência esportiva da minha vida”. Foi assim que o ultramaratonista capixaba Edinho Borges definiu sua participação na Ultra Trail Amazônica, no último final de semana.
Após percorrer quase 100 km, em meio a selvas, natureza e tribos indígenas, ele contou para o Blog Corrida de Rua como foi essa emocionante experiência.
“Eu tinha em mente que ia ser uma prova difícil, uma prova dura, uma prova que eu precisava ter um controle emocional muito grande.
No entanto, eu não tinha ideia de que ia ser tão difícil porque é tudo algo muito inimaginário. Você está no meio da selva, em lugares que ainda não tinham sido desbravados. Foi uma experiência muito rica em natureza e paisagem, além do aspecto disciplinar, já que você precisa ter a disciplina da alimentação, da hidratação, de respeitar o corpo, de respeitar a natureza, de respeitar o amigo que está com você.
Muitas vezes, estava sozinho, mas estava sempre querendo buscar a companhia de alguém. Você passa por lugares que não conhece e que foram pouco ou quase nunca habitados ou que nunca tiveram um atleta correndo antes.
A gente estava passando por trilhas e, quando escureceu, tinha muito cipó, então prejudicava demais. Alguns lugares eram terrenos de mata secundária, que precisaram ser limpos pela organização. Eles cortavam pequenas árvores e ficavam sempre uns toquinhos. Então, no escurecer, pra mim foi o meu pior pesadelo, porque você corria e dava aquelas topadas.
Tive na primeira noite o pé muito prejudicado, com muito chute. Estou aqui com unhas bem roxas e dedos inchados.
Quando você estava muito sozinho, tudo tinha som, as árvores caindo, o galho caindo, bichos passando, vi cobra, aranha e formigas grandes. Eram árvores com muito espinho.
Tinha um grau de dificuldade de descida e você precisava apoiar em alguma coisa e, de repente, percebia que parava em árvores com grandes espinhos.
A natureza contemplava todas as dificuldades: cada Igarapé, cada rio, o Rio Negro, só coisas impressionantes.
A recepção nas tribos não era perda de tempo parar, tirar foto, tentar conversar, ouvir as histórias, tanto das tribos quanto dos ribeirinhos. O grau de dificuldade que essas pessoas têm pra estar naquele lugar e a felicidade com que elas te recebe é impressionante.
A gente se dá conta de que existem valores que precisam ser muito bem explorados. Eu entrei na selva um atleta e saí de lá um outro atleta.
A corrida me proporcionou esse momento mágico na minha vida. Quando eu comecei a correr, foi pela minha saúde e pela estética. Aí me tornei ultramaratonista e tive esse privilégio de correr dentro da selva amazônica.
Como todos sabem, o meu previsto era correr 145 km. Essa previsão se deu por fim um pouco antes, porque eu estava já há mais de 19 horas de corrida, por volta de 96 km.
Eu já estava no quilômetro 53 do segundo dia e estava muito sozinho e tinha me perdido. Quando você se perde, você já começa a sentir o psicológico um pouco abalado. Aqueles sons da selva vão mexendo com você ainda mais.
A gente tido uma palestra dos organizadores e do Exército que habita na selva dizendo que ia ter um trecho da prova, no qual eu iria entrar naquele momento, que era de charque, que é quando o rio sobe, fica submerso, aí quando ele seca, fica com aquelas lamas.
Naquele trecho ali a gente ia começar a entrar pelo anoitecer. É um período muito perigoso, porque tem muitas cobras. Eu estava com o psicológico totalmente abalado e bem desgastado fisicamente, talvez um pouco desidratado também.
Quando eu decidi que naquele momento o meu desafio estava sendo completado ali, porque aí vêm a família, minha esposa, minhas filhas, meus amigos, meus apoiadores e patrocinadores e todos que torceram por mim.
Nesse momento foi uma decisão mais assertiva e saber que vou ter outras possibilidades, outras corridas, e o que eu já tinha vivido até ali já tinha sido muito importante na minha vida de atleta. Tudo que eu já tinha treinado naquele momento eu já tinha vencido até aquele momento.
Tomar essa decisão em momento algum eu fiquei arrependido, porque ser ultramaratonista não é só você saber que vai ter um começo e um final de uma distância. É você saber que vai começar e vai terminar muito bem. E eu encerrei nos 96 km muito bem, porque eu tive a oportunidade de viver momentos impressionantes e inesquecíveis na minha vida.
Quero passar pras outras pessoas de que a gente não precisa cruzar uma linha de chegada pra ser um vencedor. Eu sou um vencedor, eu fui um vencedor sem mesmo ter cruzado a linha que eu tinha determinado. Na verdade, a prova me colocava um limite no meu desafio, mas eu determinei um outro pra mim e naquele momento foi a minha linha de chegada, e eu fiquei muito feliz em ter chegado até ali.
O que posso dar de dica aí pra quem fazer esse desafio é que se prepare, que prepare o seu psicológico, mas que lembre sempre da importância de que você precisa estar bem com você e sempre correr por você.
É claro que a gente quer sempre estar dando o nosso melhor, mas o nosso melhor vai até aonde a gente não prejudica e não atrapalhe as outras coisas. Então não quis colocar minha vida em risco.
A minha maior lembrança da prova, além do sorriso das pessoas que nos receberam lá, da alegria do organizador que preparou essa prova, foi o contato direto com a natureza, com as crianças indígenas, com as mulheres indígenas, que são extremamente receptivas, e com os índios, com os caciques, com os guerreiros. São imagens que eu vou guardar pra sempre. O nascer e ao pôr do sol dentro da mata e oportunidade de estar próximo aos rios, aquela água cristalina.
São imagens e momentos que eu não vou esquecer nunca na minha vida. Então hoje eu posso falar pra você que eu sou feliz, que eu fui feliz e que eu vou ser muito mais feliz daqui pra frente”.