Faltavam 2km para eu concluir o percurso de 10km quando gravei o vídeo. Eu já tinha visto esse biótipo diversas vezes liderando provas com outra postura e em velocidade muito maior. A medida que eu ia me aproximando ela parecia estar parando. Quando a distância entre nós duas era de apenas dois passos, eu abaixei a cabeça e fiquei lado a lado com ela. Senti que ela não estava bem. Pude ouvir a negociação silenciosa que a mente dela fazia com as pernas. Não interrompi. Continuei de cabeça baixa e segui.
Naquele momento, ultrapassei Francielly Merola que alguns minutos atrás liderava a prova de 10km e, se mantivesse a 1a posição, receberia o título de Campeã do Campeonato Capixaba de Corrida de Rua 2018. Essa foi a terceira etapa da competição. Na segunda, em agosto, a mesma Francielly foi a vencedora nos 12km com o tempo de 1h02min47seg. Na primeira, em maio, ela ficou em 5o com 44min21seg nos 10km.
Corri sozinha por alguns metros até Francielly me alcançar. Faltava menos de 1km para a linha de chegada e senti que ela já não negociava mais nada consigo mesma. Perguntei: ‘você está dobrando a prova?’ (Achei que ela já tinha concluído os 10km e continuou correndo para treinar um percurso maior).
“Não, Dani, estou passando mal, mas vou chegar correndo”. E seguiu. O treinador de Franciele – que estava de bike atrás de nós duas – me contou que no km 7 ela sentiu os efeitos de uma má digestão, passou mal e desmaiou. Achou desnecessário entrar na ambulância e abandonar a prova. Fez questão de continuar e chegar correndo.
Hoje a prova era em formato de circuito. 5km e 10km. Na volta dos 5km eu quase parei. Pensei em cruzar a linha de chegada, pegar minha medalha de conclusão, trabalhar na cobertura do evento e voltar pra casa. Seria só uma prova, concluída pela metade por mim. Eu não estava passando mal. Estava apenas sentindo os efeitos do forte calor e frustrada por não estar treinando há algumas semanas. Mas uma força me puxou na bifurcação entre a linha de chegada dos 5km e a continuação do percurso de 10km.
Foi essa energia que me levou até Francielly. Os deuses que regem o universo da corrida promoveram esse encontro improvável entre duas corredoras que geralmente estão nos extremos – ela, entre os primeiros, e eu, entre os últimos – para mostrar que na corrida (e na vida) é sempre a gente contra a gente mesmo. É sempre a gente, sozinha, correndo, parando, negociando, sorrindo e chorando. Porque, no fundo, mesmo perdendo a gente ganha. O pódio é só um lugar de onde, poucos, podem ver mais alto. Mas é aqui embaixo onde estão todos e tudo que verdadeiramente importam e nos fazem companhia quando não precisamos mais estar sozinhas.
Fran, de coração, obrigada por me esperar para esse encontro. Hoje a sua missão não era subir ao pódio, mas me ajudar a vencer. Eu me venci, mais uma vez!
Gratidão, Campeonato Capixaba de Corrida de Rua por me proporcionar essa experiência! Seu objetivo era definir e homenagear os atletas mais rápidos do Espírito Santo, mas foi essa aqui que venceu, uma das corredoras mais lentas do Estado! Ou seja, o evento é – e sempre foi – para todos – profissionais e amadores. Todos podem vencer de alguma forma.
‘Quem não conhece seu caminho não tem direito de julgar a velocidade dos seus passos’. #felipearco