O ser humano nasce com essa energia natural que chamamos de poder. Desde o choro intenso da criancinha, no contato com o mundo externo, começa um desejo ou uma luta para vencer e dominar este mundo agressivo, como a delimitar o seu lugar, e, somente vem a se acalmar quando passa a se alimentar na mãezinha que a acolhe com ternura. Porém esta luta inconsciente continua nas sequentes experiências do recém-nascido.
Ser de relações, o ser humano, a pessoa humana ao se relacionar com aquilo que está à sua volta vai tomando poder de seu espaço físico, do espaço global, e, quando, não é educado por outras pessoas vai tomando poder também das pessoas.
O ensino dos pais e da escola auxiliam a pessoa a se posicionar em suas relações, aprendendo a acolher o outro que carrega consigo a mesma a energia de poder, de desejo de dominar.
A construção de uma sociedade implica o encontro de pessoas, com seus dons e desejos de poder, domínios, com seus ideais e ideologias.
Aqui aparecem os grandes conflitos, o domínio de grupos, etc. Os partidos políticos têm, em seus objetivos, o poder, o domínio e a imposição de seus projetos sociais, de suas ideologias. Quantas divergências, quanto ódio e guerras vêm surgindo na história da humanidade por causa dos conflitos de poder.
Neste contexto está o conceito humano de poder. O ser humano tem em sua essência esta energia que faz parte de sua identidade, de sua realização, seu lugar de relação.
Também, o cristão, ser humano como o seu semelhante, tem dentro de seu ser de relação o poder. Contudo, algo novo entrou em seu ser como essência de sua relação. É o conceito cristão do poder que difere de outros nas relações interpessoais e comunitárias.
Mas, qual seria o conceito cristão de poder? É a Pessoa de Jesus Cristo quem nos ensina, realmente, como entender o poder, esta energia que está em cada coração humano.
Jesus exorciza o conceito de poder no mundo. A Redenção da humanidade do pecado com a fundação do Reino de Deus inova o conceito de poder.
O Mistério da Encarnação do Verbo é evento de despojamento. A Palavra de Deus vem até nós despojada: Jesus Menino! O Menino Jesus causou medo no poderoso Rei Herodes.
Em outra ocasião, quando Jesus, ensinava na sinagoga, em Nazaré, os ouvintes ficaram escandalizados com suas palavras. Conduziram-no à força até um alto monte de onde queriam lançá-lo no precipício.
Jesus, naquele momento, passou entre a multidão revoltada e nada fizeram com ele. O poder dos fortes, um grande grupo de revoltados, não conseguiu vencer o poder do poder não violento.
Os milagres de Jesus não foram realizados com exibição de força ou um show de poder dos fortes da sociedade de seu tempo. Porém, revelou uma novidade absoluta, o poder do Amor.
Jesus falava com autoridade, diziam os ouvintes. Porém, autoridade que gerava vida, conversão, acolhimento.
Outros que estavam arraigados na mentalidade do poder de domínio e opressão dos fracos não aceitavam aquele não violento que falava com autoridade. A autoridade do mundo não gera vida, mas opressão, morte. A autoridade, o poder de Jesus era diferente.
Jesus fazia diferença revelando algo diferente, com autoridade, gerando vida e esperança. Jesus acaba exorcizando o poder que escraviza e descortina algo novo para realização do ser humano nas relações interpessoais.
Este jeito de exercer o poder teve seu ponto alto em Jesus no Lava-pés, quando concretizava a Ceia Eucarística, com este gesto significativo de poder serviço.
A Igreja nasce como serva. O sacerdócio de Jesus e a instituição sacerdotal que nasce na Ceia Eucarística com a Igreja que é serva como o Mestre, o qual lava os pés dos apóstolos e os torna lavadores de pés, o Amor doado aos irmãos.
Igreja, Apóstolos, presbíteros, todos servidores do Reino. O poder que emana deste Mistério de fé é poder de servo, com Jesus Cristo, o Servo Sacerdote e Cabeça da Igreja que nasce de seu Coração Aberto pela Lança do soldado, Sacramentado antecipadamente de maneira incruenta na Sagrada Ceia Eucarística, Corpo e Sangue derramado, Pão repartido, Cálice da Salvação, Sacramento do Mundo Novo de cuja Fonte surge a energia do poder do Reino, Amor, poder que respeita e liberta o ser humano.
O cristão deve, pois, testemunhar no mundo esta maneira nova de relação, de exercício do poder, fazendo diferença e anunciando um mundo novo. Tarefa difícil!
A Igreja nem sempre manifesta esta novidade e percebe que sua história é história de graça, como também, história de pecado.
Cabe-nos, cada um de nós, cada Comunidade Eclesial, manifestar a beleza da novidade cristã, através de um novo relacionamento, onde e quando as pessoas e Comunidades vivem o Amor, o perdão e a paz.
Numa realidade onde a luta de classe, luta de poder, tem sido prioritários nas relações humanas, o testemunho cristão torna-se mais difícil, mas, mais belo e atraente porque só o poder do Amor torna-o um ser humano feliz.
O poder do mundo é satânico, divisor e destruidor e perverso! O poder do cristão, filho de Deus, é poder humano, construtivo e instrumento do amor, profundamente realizador!
Dom Luiz Mancilha Vilela – Arcebispo de Vitória
*Fotos: divulgação, cedida pela fonte.