As celebrações da Semana Santa são universais e, na liturgia da Igreja Católica, constituem um tempo forte de manifestações de profunda fé. Esse tempo também é riquíssimo em tradições populares, com particularidades regionais por todo o Brasil.
Da minha infância no sítio “Pé da Serra”, município de Capitólio (MG), trago diversas lembranças marcantes desse tempo litúrgico. Como a maioria das pessoas que moravam na zona rural por volta do ano de 1960, minha mãe e meu pai viviam e transmitiam para os filhos uma religiosidade mais voltada para as tradições, por conta da dificuldade de locomoção para as celebrações na cidade.
Lembro-me que a “Sexta-feira da Paixão” era o ponto alto da Semana Santa. Dia de jejum, silêncio, oração e muito respeito, sem espaço até para as mais inocentes brincadeiras de crianças.
Ninguém podia trabalhar e, por isso, desde as primeiras horas, notava-se que era um dia diferente. Os bezerros não estavam apartados das vacas e podiam mamar todo o leite; não tomávamos o café da manhã, o almoço era mais leve, sem carne, e todos deviam comer com moderação. Era dia de jejum e somente as crianças abaixo de sete anos estavam liberadas.
Para garantir o silêncio e recolhimento, meu pai tirava as pilhas do rádio – único meio de comunicação que tínhamos –, e as cordas do violão e do cavaquinho. Se alguém fosse surpreendido cantarolando, sorrindo ou falando alto, bastava um olhar do pai ou da mãe, para se recompor.
Lembro-me que certo dia desses, estava brincando no quintal com um carrinho e minha mãe me repreendeu, dizendo que “ferir a terra era ferir o próprio Cristo”. Ela explicou que nem varria o chão porque na sexta-feira santa, a terra abrigava o corpo de Jesus, que morreu Crucificado. Fiquei constrangido, mas logo ela me disse com um afago materno: “você é inocente, meu filho!”
Com o passar do tempo, em minha família, essas tradições foram dando lugar à conscientização e a uma religiosidade mais esclarecida pela catequese. Passamos a compreender as riquezas do Tempo Pascal e a valorizar a celebração da ressurreição de Jesus, com fé, esperança e amor.
Aí os bezerros já não tinham mais todo o leite, porque a metade era retirada para doar aos pobres da cidade, que faziam uma caminhada de seis quilômetros para garantir o alimento no sítio do meu pai. As músicas religiosas ganharam espaço e brincadeiras moderadas passaram a ser permitidas, sem perder o clima de recolhimento e oração.
Aos poucos, fomos nos adaptando ao que a Igreja prega: que essas práticas tradicionais nos conduzam à verdadeira liturgia, centrada no Tríduo Pascal, que faz memória da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.
Por José Expedito da Silva – jornalista, atua na Canção Nova