Há algum tempo comecei a prestar mais atenção a alguns assuntos que nem sempre chegam às manchetes dos telejornais. Conflitos em tantas regiões da África, fome, guerra na Síria, enfim, realidades tão distantes que parecem quase irreais.
Quando a então epidemia do novo coronavírus começou lá na China, também era assim, uma tragédia com a qual eu me compadecia, mas não era um mal que eu temia. Lembro-me do dia em que li a notícia da primeira morte na Itália. Poucas horas depois já era a segunda, terceira, a décima e assim sucessivamente. Até o dia que abri o jornal para conferir o boletim e, já fechada em casa, em isolamento social, li a notícia de 993 pessoas mortas num só dia.
Por um instante deixei de lado a reportagem, os dados, a tal curva de contágio e me recordei: não são números, são pessoas! E o distanciamento que me pedem hoje é apenas físico. A capacidade de me compadecer com as famílias, com os médicos, com um país que precisa estar em movimento e, de alguma forma, chegar onde eu não posso ir.
Hoje, um meio concreto de ajudar é acreditar que sim, essa pandemia é real. Mesmo que não contamine alguém que eu conheça, mesmo sem saber nome, endereço de alguma das milhares de vítimas, mesmo parecendo muitas vezes distante, sim, ela existe. Assim como a fome na África, a guerra na Síria, a miséria na Venezuela. São verdades, são vidas, são rostos desconhecidos, mas que não podem ser ignorados.
Para muitos desses problemas não têm o que fazer, a não ser rezar e, quem pode, colabora financeiramente com algum dos muitos projetos sociais que socorrem milhares de pessoas afetadas por tais problemas.
Mas para a pandemia temos uma resposta quase comum: o cuidado, o zelo com o todo. Enfrentamos um vírus que não escolhe raça, condição econômica, religião. E não é um problema localizado, mas global. E talvez há muito tempo o mundo não era visto assim, todo interligado.
Não é mais o problema de um país ou de outro, de uma região do Brasil ou de outra. As fronteiras se quebram, e nos convidam a quebrar também dentro nós as distâncias que colocamos entre nossa realidade e a do outro. Proteger-me, me cuidar para não ser contaminado significa, nesse tempo, cuidar de quem está ao meu lado, ou de quem pega o mesmo ônibus que eu, de quem eu não sei o nome, mas que posso, de alguma forma, proteger.
É um tempo em que somos convidados a crescer no senso de bem comum, de um pensamento global, de nos reconhecermos membros de uma mesma família, filhos de um mesmo Pai. E enquanto nos cuidamos, se possível, ficando em casa ou evitando algumas atividades públicas, podemos redescobrir a beleza do tempo, da presença física, dos afetos retribuídos.
Em Roma, uma das cidades mais visitadas pelos turistas do mundo todo, não caminha praticamente ninguém pelas belas ruas do centro histórico. Há poucos dias precisei ir nos arredores do Vaticano, e um amigo que me acompanhava me fez prestar atenção em algo que eu já não mais me atentava: o som das fontes da Praça de São Pedro.
Por um instante não tinha outro barulho naquele lugar, e a fonte parecia ter “voltado a cantar”. Que esse silêncio de hoje nos ensine a voltar a escutar as fontes, as crianças que moram ao nosso lado, a respiração de nossos pais ou avós, a batida do nosso próprio coração, que insiste em nos recordar que estamos vivos e precisamos ter Esperança!
Lizia Carla
jornalista e missionária da comunidade Canção Nova em Roma (Itália)