A pandemia desencadeada pela COVID-19 impactou de maneira inédita as relações de consumo. O equilíbrio contratual buscado pela legislação consumerista foi afetado para ambos os lados, consumidor e fornecedor. A pandemia produziu e certamente continuará produzindo efeitos econômicos profundos para empresas, colocando em risco a sua própria existência. Produtos e serviços passaram a ser oferecidos de maneiras alternativas. A tecnologia ganhou um papel central e passou-se a exigir dos fornecedores e consumidores flexibilidade, capacidade de negociação e concessões mútuas.
Nesse contexto, o Direito Consumerista, usualmente utilizado para reequilibrar forças e proteger quase sempre o elo mais vulnerável da relação jurídica – o consumidor -, passa agora a ser um instrumento para estabelecer equilíbrio entre fornecedores e consumidores. Pela primeira vez, os dois polos da relação de consumo são vulneráveis e se torna necessária uma releitura cuidadosa dos princípios fundamentais do direito contratual, como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos.
Em meio a essa nova sistemática, necessária a análise acerca da alta dos preços e sua possível abusividade. O aumento de preço, para ser assim caracterizado, deve ser injustificado. Ou seja, não é todo e qualquer aumento de preços que será ilegal. É necessário observar a razão desse aumento.
A título de exemplo, um fornecedor de álcool gel, que tenha cerca de mil unidades estocadas e venda normalmente pelo valor hipotético de R$ 7,00, mas, aproveitando-se da situação, das notícias e das recomendações oficiais sobre a necessidade do uso do produto, começa a vender automaticamente o mesmo produto estocado por R$ 70,00 a unidade. Houve um aumento justificado nesse caso? Certamente não.
Situação diversa, que justifica o aumento de preços, é quando um fornecedor necessita recompor seu estoque ou então produzir maior número desse produto, dada a demanda – o que está acontecendo em nível mundial -, fazendo com que o custo das matérias-primas aumente e, consequentemente, seu valor. Não é ilegal repassar os custos da produção ao consumidor, desde que haja bom senso, necessidade e razoabilidade.
Esse segundo cenário parece-nos trazer um contrassenso ao que sempre foi defendido no âmbito do direito do consumidor, sendo este visto como o hipossuficiente absoluto da relação. Porém, nesse momento, devemos ter cautela ao fazer uma afirmação tão dura a respeito dos fornecedores, já que muitos têm se demonstrado flexíveis em relação a seus consumidores. Isso deverá ser visto em uma perspectiva macro, que considere o mercado de consumo como um todo, e uma micro, com análise caso a caso ou, ao menos, por setores.
Giselle Duarte Poltronieri, associada de Carlos de Souza Advogados, atua nas áreas Contencioso Civil e Comercial.