Em recente decisão, o STF consignou ser crime deixar de recolher ICMS, mesmo que declarado. De acordo com a Lei 8.137/90, não se considera crime o fato de o contribuinte deixar de pagar a guia do imposto, caso tenha cumprido todas as suas outras obrigações (declarando o tributo corretamente).
Não estamos dizendo que não há na legislação previsão para sanção contra aquele que não pagar o tributo, já que há multa, negativa de certidão, protesto, ou seja, a empresa é inadimplente fiscal e sofre as consequências disso, mas a lei considera que seus administradores não cometeram crime.
Com a nova interpretação do STF, o dono, o administrador da empresa pode ser pessoalmente processado por crime. O STF estabeleceu diversos requisitos para isso, não bastando o simples não pagamento, mas isso deve ter sido feito de forma dolosa (com intenção de obter vantagem) e recorrente.
Além de não ser competência do STF legislar, apesar de isto estar ocorrendo cada vez mais e com frequência alarmante, a interpretação dada é completamente inconstitucional e viola também diversos tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Apesar de a discussão acerca desse tema ser extensa, fato é que hoje promotores podem denunciar pessoas por esse crime criado pelo STF e juízes, desembargadores e ministros podem condenar e até ordenar prisões contra essas pessoas.
No entanto, em meio a uma crise maior, internacional, de uma pandemia que está arrasando não só a saúde, mas todos os setores da vida das pessoas, com especial ênfase para o colapso econômico mundial, pergunta-se: a conduta recém criminalizada pelo STF é crime se a empresa deixar de pagar o tributo por conta da crise?
Nossa opinião é que NÃO. Além de muitas outras teses que podem ser utilizadas para defesa criminal de um contribuinte enquadrado nessa aberração jurídica criada pelo STF (mesmo que não durante a pandemia), entendemos que a inadimplência excepcional, decorrente da pandemia mundial com o coronavírus, afasta completamente a tipicidade da conduta e a crise econômica que causou dificuldade financeira para a empresa é causa de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa (mesmo que o contribuinte quisesse, não tem condições financeiras de pagar).
Jéssica Aleixo de Souza, sócia no setor Criminal de Carlos de Souza Advogados, especializada em Direito Penal Empresarial.