O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO CRIMINAL
Nesta semana a Justiça absolveu um homem condenado por furtar um pedaço de carne avaliado em 52 reais. Esse homem, que havia praticado outro furto anteriormente, tinha sido condenado nas três primeiras instâncias. Porém, no último recurso ele foi absolvido com o fundamento, utilizado pela Justiça, de que “o princípio da insignificância” deveria ser aplicado em tal caso.
O princípio da insignificância no direito criminal brasileiro não está previsto na lei. Ou seja, a lei não exclui a possibilidade de condenar alguém mesmo que o produto do crime tenha sido algo ínfimo. Contudo, os tribunais (jurisprudência) e os escritores jurídicos (doutrina) foram construindo essa saída ao longo dos anos, o que acabou sendo aceito por grande parte dos juízes ao absolverem acusados que praticam crimes com resultados insignificantes.
Esse princípio da insignificância é justo e está de acordo com o que a sociedade brasileira espera? Na minha opinião, sem dúvidas que sim. “ (…) o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido. “ (CAPEZ, 2011).
Não é por outra razão que o princípio da insignificância também é chamado de “princípio bagatelar”, já que se destina a excluir a condenação em casos que envolvam “bagatelas”. Sendo assim, o objetivo desse princípio é preencher uma omissão na legislação criminal, uma vez que afasta a condenação por condutas que tenham um pequeno potencial ofensivo.
A Justiça tem aceitado a aplicação do princípio da insignificância para qualquer tipo de delito? Absolutamente, não. Crimes violentos, que envolvam drogas e contra a administração pública, por exemplo, sequer passam perto dessa possibilidade, já que são condutas que, mesmo envolvendo resultados “menores”, encontram total repulsa por parte da sociedade.
A corrupção, por exemplo, que é um crime contra a administração pública. O envolvido em corrupção será condenado, não importa se o fato girou em torno de 100 reais ou 1 milhão de reais. Da mesma forma o tráfico de drogas ou a associação ao tráfico.
No Brasil, o ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal até às leis, está firmado na liberdade do cidadão. Todos são livres e podem ir e vir de acordo com os seus interesses. É a chamada liberdade individual, base indispensável em qualquer estado democrático de direito. Prisão é uma medida excepcionalíssima, que deve ser utilizada somente em casos devidamente previstos em lei e cuja restrição de liberdade for proporcional ao delito praticado. O princípio bagatelar se viu acolhido pela Justiça exatamente para privilegiar a essência democrática da liberdade, afastando condenações e prisões em face de coisas ínfimas.
“Entende-se, pois, que o princípio da insignificância deve ser avaliado como aquele que permite desconsiderar-se a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, de pouca monta, afastadas do campo de reprovabilidade, a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a completa falta de juízo de reprovação penal”. (ANA LUÍSA NOGUEIRA MOREIRA, 2019).
Na prática: um furto ocorre quando alguém subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Esse é o “tipo penal” que está no artigo 155 do Código Penal. Entretanto, se o furto for “de uma galinha”, ou qualquer outro objeto inexpressivo, aquela atitude inicialmente tipificada como crime deixará de sê-la. Dada a insignificância do bem furtado, afastar-se-á o ato teoricamente criminoso do enquadramento no respectivo artigo do Código Penal.
No fato colocado no início deste artigo, do furto de “um pedaço de carne de 52 reais”, chamou atenção o ineditismo da decisão, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, já que a reincidência sempre afastou a aplicação do princípio da insignificância. Tanto que o acusado se viu condenado em três instâncias, exatamente porque o seu estado de reincidente não poderia lhe dar a benesse do princípio bagatelar. Contudo, o STF inovou nesta semana, ao concluir que, como se trata de uma construção doutrinária e jurisprudencial, é totalmente possível aplicar o princípio da insignificância mesmo para um reincidente, tendo alertado que um ato de meros 52 reais de um pedaço de carne movimentou o Judiciário durante anos.
Com a palavra os congressistas, que há muito já deveriam ter incluído, na legislação, uma norma que acolha o princípio da insignificância e imponha regras claras para a sua aplicação.
Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.
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