É necessária a autorização do cônjuge para ser fiador?

A fiança é um tipo de contrato por meio do qual uma pessoa (denominada de “fiadora”) garante ao credor que irá satisfazer uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (art. 818 do Código Civil). Trata-se de uma garantia pessoal (fidejussória) extremamente conhecida e usualmente utilizada nos contratos de locação.

 

Não raras as vezes, nos deparamos com situações nas quais a forma prevista em lei não foi atendida pelas partes contratantes, afetando a validade da garantia prestada.

 

Especificamente em relação ao contrato de fiança, o Código Civil (art. 1.647, III) dispõe que se a pessoa for casada, somente poderá ser fiadora se o cônjuge anuir. Essa concordância do cônjuge é denominada de “outorga uxória”, e não será necessária quando o regime de bens escolhido pelo casal for o de separação total de bens.

 

Vale lembrar que o regime de separação total de bens é aquele que tanto os bens adquiridos depois do casamento, quanto os bens adquiridos antes do casamento, permanecerão sendo particulares de cada cônjuge.

 

Sendo a pessoa casada sob o regime mais conhecido por todos, qual seja, o de comunhão parcial de bens, caso decida por figurar como fiadora num contrato de locação, por exemplo, seu cônjuge deve autorizar, sob pena da fiança prestada ser totalmente ineficaz (vide súmula n.º 332 do Superior Tribunal de Justiça).

 

Agora imaginemos a seguinte situação hipotética: Ricardo é sócio proprietário da empresa RM LTDA. A empresa firmou um contrato de locação comercial de um galpão para a instalação da sede da empresa. Neste contrato de locação, Ricardo, único sócio da empresa RM LTDA., figurou como fiador, garantindo o pagamento dos alugueis em caso de inadimplemento por parte da empresa. Tempos depois, a empresa RM LTDA. deixou de pagar os alugueis, vindo a sofrer uma ação de despejo e cobrança de alugueis por parte do locador do imóvel.

 

Nesta ação, Ricardo também foi demandado (afinal, havia assumido o compromisso de pagar a dívida da empresa, caso necessário) e pouco tempo depois teve seus bens pessoais penhorados, afetando também diretamente o patrimônio de sua esposa Maria, com quem é casado sob o regime de comunhão parcial de bens.

 

Neste caso, considerando que Ricardo exerceu um ato de disposição e administração necessário ao desempenho de sua profissão, a fiança é eficaz? Estaria Ricardo autorizado a agir sozinho?

 

A questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ. 4ª Turma. REsp 1.525.638-SP, julgado em 14/06/2022), que entendeu ser necessária a exigência geral de outorga do cônjuge para prestar fiança, sendo indiferente o fato de o fiador prestá-la na condição de comerciante ou empresário, considerando a necessidade de proteção da segurança econômica familiar.

 

Em que pese a exigência de outorga conjugal constituir um verdadeiro entrave ao dinamismo e praticidade próprios das relações comerciais e empresariais, essa exigência leva em consideração a proteção e manutenção do patrimônio comum.

 

Logo, a fiança prestada por Ricardo não é eficaz, pois, não estava autorizado a agir sozinho. Ao prestar fiança, dependia da autorização de seu cônjuge Maria.

 

Veja, portanto, que a observância à formalidade prevista em lei é imprescindível para a eficácia não apenas do contrato de fiança, como também dos contratos em geral, sendo indispensável o apoio e consultoria de profissionais especializados no momento de confeccionar os instrumentos (contratos) que irão reger as relações entre as partes, evitando-se, assim, que uma amargue sozinha os prejuízos em prol da outra, como no caso hipotético acima mencionado.

David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.

Foto: Pixabay.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *