Tanto a recuperação judicial, quanto a falência, representam importantes mecanismos presentes no ordenamento jurídico pátrio e que visam, respectivamente: i) permitir ao devedor o soerguimento e quitação do seu passivo; ii) reunir todos os bens do devedor irrecuperável, para pagamento dos credores.
Claro e evidente que estes mecanismos devem ser aplicados sempre com respeito ao devido processo legal, isto é, com a plena garantia do direito de defesa e contraditório às partes envolvidas, para que não ocorram injustiças.
Desta forma, à luz da Lei nº 11.101/2005, cumprindo o devedor todos os requisitos que lhe cabem, e apresentando plano para pagamento dos credores livre de ilegalidade e que seja regularmente aprovado em Assembleia Geral de Credores, o juiz deverá conceder a recuperação judicial a seu favor.
Esta é uma obrigação que o magistrado da causa tem, e que está descrita expressamente no artigo 58 da lei supracitada, não se permitindo interpretações diferentes. Afinal, lei clara não carece de interpretação, devendo ser aplicada em sua literalidade independentemente do destinatário, sendo esta uma máxima da Ciência do Direito muito prestigiada pela comunidade jurídica, e que atravessa gerações.
Contudo, mesmo que seja concedida a recuperação judicial, poderia ele, o juiz, antevendo possível descumprimento pelo devedor, decretar sua falência? Estaria certo ou errado ao fazer isso? Para muitos, e não há nada de errado com isso, o magistrado poderia decretar a falência nesta hipótese.
Mas, a verdade é que esta prática decisória – que infelizmente ocorre nos processos judiciais – é descabida e desastrosa. Ou seja, com auxílio jurídico especializado o devedor conseguirá interpor recurso e anular a sentença que decretou a sua falência.
É que a transformação – que é plenamente possível – do processo de recuperação judicial em processo de falência deve ser lida de forma inexorável na extensão do artigo 73 e incisos da lei acima mencionada, não comportando, também, interpretações que alterem o seu sentido e alcance.
Se por exemplo o devedor alegar ao magistrado que tem enfrentado dificuldades para cumprir as obrigações assumidas na recuperação judicial, buscando, com isso, convocar nova Assembleia Geral de Credoras à formulação/aprovação de um novo plano de soerguimento mais favorável, o evento não poderá dar ensejo à sua falência.
Ou seja, o juiz não poderá enxergar na alegação de dificuldade do devedor a prova do descumprimento da recuperação judicial que ainda não existe no processo. E este entendimento não muda caso depois seja confirmado nos autos do processo que as dificuldades enfrentadas pelo devedor se transformaram em real descumprimento das suas obrigações. Significa dizer, em tom afirmativo, que apenas dentro de uma realidade concreta lastreada em prova cabal e irrefutável do descumprimento das obrigações do devedor dentro da recuperação judicial, é que o juiz poderá, aí sim, decretar a falência do devedor, desde que, reitere-se, seja respeitado o devido processo legal, com a a ampla defesa e o contraditório.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
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