A legislação brasileira admite que ocorra o registro, pelo pai ou mãe socioafetivo, em qualquer fase da vida da criança, adolescente ou, ainda, na idade adulta, sendo que conforme a fase da vida este registro pode ser feito até mesmo extrajudicialmente. Este tipo de filiação já estava previsto no art. 1.593 do Código Civil, mas as normas relativas à forma de estabelecimento do vínculo de maneira oficial têm evoluído ao longo do tempo.
O Conselho Nacional de Justiça editou os Provimentos nº 63/2017 e 83/2019, estabelecendo regras para o procedimento do registro extrajudicial da filiação socioafetiva. Atualmente, somente nos casos que objetivem alteração de registro de pessoas acima de 12(doze) anos, que consintam juntamente com seus pais biológicos, poderão as partes envolvidas se valer do registro da filiação socioafetiva pela via extrajudicial, restando aos casos que envolvam menores de 12 (doze) anos o procedimento judicial, sempre, em qualquer das vias, com participação do Ministério Público.
Neste caso, reconhecida a filiação socioafetiva, a pessoa do filho passa a ter em seu registro, concomitantemente, o pai/mãe biológico (caso este já esteja previamente designado no registro) e o pai/mãe socioafetivo. É o que se denomina de multiparentalidade.
A pergunta: qual é o vínculo que subsiste, ou que é “mais forte”, quanto às consequências patrimoniais e sociais do reconhecimento concomitante de vínculos? O socioafetivo ou o biológico? Afirma-se que não existe qualquer hierarquia entre as paternidades biológica e socioafetiva neste contexto de multiparentalidade. No mesmo sentido, a Quarta Turma declarou a impossibilidade de se dar tratamento distinto para o pai/mãe socioafetivo que deva ser incluído no registro civil do filho, ao lado do pai/mãe biológico.
O STJ concluiu pela equivalência de tratamento dos dois tipos de filiação, o que é válido tanto para os efeitos registrais, como para os efeitos patrimoniais decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade.
A decisão de outubro de 2021 alterou o acórdão que havia deferido a averbação do pai socioafetivo no registro civil, mas impôs exigência de que essa condição fosse indicada na certidão de nascimento, e adicionalmente o tribunal estadual não reconheceu os efeitos patrimoniais e sucessórios da filiação socioafetiva. No entanto, o relator do recurso especial, o ministro Antonio Carlos Ferreira lembrou que, ao reconhecer a possibilidade da filiação biológica em conjunto com a socioafetiva, o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou qualquer discriminação ou hierarquia entre as espécies de vínculo parental.
Portanto, não há hierarquia ou diferença entre as espécies de filiação, sendo a socioafetiva e a biológica idênticas e, consequentemente, inconstitucional qualquer tratamento diferenciado entre os vínculos que se estabelecem com a multiparentalidade.
Importa notar que o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento 63/2017, que institui modelos únicos de certidões de nascimento, casamento e óbito, nos quais não há qualquer distinção de nomenclatura quanto à origem da paternidade ou maternidade – se biológica ou socioafetiva, o que reforça a total ausência de hierarquia ou tratamento distinto.
Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
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