O contrato foi assinado pelas partes e pelas testemunhas e contém cláusulas que, num primeiro momento, se mostram totalmente possíveis de serem cumpridas pelos signatários.
No entanto, no decorrer da relação contratual, ocorrem “fatos novos” , tais como reações inesperadas do mercado financeiro, planos econômicos, uma pandemia que de imediato muda a vida de toda a população mundial, enfim, fatos que, se pudessem ser previstos, uma das partes sequer assinaria o contrato, pois ele se torna excessivamente oneroso, inviabilizando seu cumprimento parcial ou totalmente.
De modo simplificado, é o que a doutrina e os tribunais do país chamam de “teoria da imprevisão”, que se refere à possibilidade de ocorrência de fatos inéditos, que não podiam ser previstos pelas partes, nem podem ser a elas atribuídos, mas que refletem na condição de execução do contrato. O Código Civil Brasileiro trata do assunto nos artigos 478 a 480.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já foi desafiado a enfrentar a aplicação da teoria da imprevisão sob diferentes aspectos, tais como nos contratos administrativos, comerciais, agrícolas e consumeristas. A Corte já decidiu algumas vezes que pragas, secas e variações de preço não motivam a resolução de contratos agrícolas (Recurso 945.166).
Para melhor entendimento deste caso específico: o tribunal do estado de origem da ação julgou procedente o pedido do agricultor que pediu a resolução do contrato de compra e venda futura de soja firmado com uma empresa, sob o argumento de que, devido a mudanças climáticas e pragas, houve elevação dos preços da soja e dos insumos agrícolas. No STJ o ministro Luis Felipe Salomã, notou que “a resolução contratual pela onerosidade excessiva exige a superveniência de evento extraordinário, impossível de se antever pelas partes, não bastando alterações que se inserem nos riscos ordinários”. Portanto, pragas na lavoura e variações de preço não acarretam, por si sós, onerosidade excessiva, pois os imprevistos alegados são inerentes ao negócio. É o que comumente se chama de “risco do negócio”, sendo inerente ao negócio agrícola que pragas e variações de preço ocorram.
O Ministro concluiu que a teoria da imprevisão é uma exceção à regra de cumprimento do contrato, e pressupõe que as bases fáticas sobre as quais se firmou o contrato se alterem, posteriormente, “em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente”, ou seja, o evento deve ser totalmente imprevisto, extraordinário e inédito para que a teoria se aplique, já que a regra é “cumprir o contratado”.
Portanto, hoje se pode afirmar que revisão dos contratos não é decorrência automática da pandemia. No julgamento do Recurso Especial 1.998.206, o STJ negou pedido do responsável financeiro que pedia a redução proporcional das mensalidades escolares de seus filhos e a devolução parcial dos valores pagos durante o período de calamidade pública provocada pela pandemia da Covid-19. Na oportunidade, restou decidido que “a pandemia do coronavírus não constituiu fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial do contrato de prestação de serviços educacionais, com a redução proporcional do valor das mensalidades”.
Na oportunidade o STJ somou mais um elemento para a aplicação da teoria: o fato novo, além de imprevisível e extraordinário, ao causar o desequilíbrio econômico-financeiro das partes, deve decorrer de uma situação de vantagem extrema para uma das partes.
Portanto, a Corte nos concede o norte para a aplicação da teoria da imprevisão na hipótese de contratos firmados em quaisquer áreas do direito, desde que os elementos acima detalhados se mostrem presentes na execução das obrigações contratualmente firmadas, devendo a tese ser construída a ponto de que uma das partes seja desobrigada ao cumprimento do contrato ou de parte dele.
Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
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