Antes de responder à pergunta que dá título a este escrito, é necessário navegar pelos conceitos que estão por trás da organização da sociedade da forma como vemos hoje.
Ainda nas salas da faculdade de Direito, nos anos 1980, um dos assuntos que mais me chamou a atenção e elevou a chama da minha paixão pelo caminho jurídico, foi a “teoria geral do Estado”. Não há como compreender as discussões jurídicas, especialmente as atuais, sem ter uma noção mínima do que seja a “teoria geral do Estado”.
Por Estado, que não pode se confundir com a unidade federativa estado (como São Paulo, Espírito Santo etc.), tem-se uma entidade soberana criada para governar um povo dentro de uma determinada região.
Voltemos aos primórdios: as famílias, tribos e grupos tinham que conviver da mesma forma como hoje vemos; porém, no passado, essa convivência não dispunha de uma organização que estabelecesse os direitos e deveres das e entre as pessoas, tampouco alguma ferramenta para dar ação prática às necessidades do povo e julgar os conflitos que ocorressem.
Para organizar as relações sociais foi criado o Estado, que teve um acréscimo conceitual e prático importantíssimo na teoria de Montesquieu, estabelecendo o poder do Estado de forma tripartite: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Os três níveis da organização do Estado, recepcionados pelo Brasil na Carta Constitucional, na teoria, são, ao mesmo tempo, independentes e interdependentes, cada um com a sua atribuição privativa: ao Legislativo, cabe fazer as leis; ao Executivo, compete executar as leis; e ao Judiciário, ficou reservado o julgamento dos conflitos com base das leis.
Não há, na teoria de Montesquieu, submissão entre um poder e outro. Infelizmente, muitas nações, a pretexto de melhorarem a vida de seus cidadãos, foram deturpando a função tripartite do Estado, sendo que, hoje, diversos países sucumbem aos arroubos autoritários de autoridades das quais a única coisa que se espera é a ajuda para que as pessoas vivam com o mínimo de dignidade e tenham condições de criar os seus filhos.
Essa deturpação está intimamente ligada à afronta ao direito de livre manifestação de pensamentos e ideias.
Observem: o Estado não é o criador dos cidadãos; ao contrário, foram as pessoas que criaram o Estado na busca de uma organização nas relações humanas e sociais.
Nesse viés, eu defendo, sempre, a ideia da intervenção mínima do Estado na vida das pessoas. O Estado, através de seus agentes políticos e serventuários, deve, no máximo, organizar as relações entre as pessoas, da forma mais harmônica possível. Quem tem a missão de fazer a máquina funcionar, porém, são os cidadãos, não o Estado. O empreendedorismo, toda forma de trabalho, formação de riqueza e iniciativa vêm da população em geral. Por isso, toda ideia estatizante é altamente míope e retrógrada, ferindo os princípios por trás do qual está a “teoria geral do Estado”.
Nessa linha, o servidor não são os cidadãos, mas o próprio Estado, que somente existe a partir das pessoas e a elas deve prestar contas.
Se o Estado, materializado por seus agentes divididos nos três Poderes, existe para servir às pessoas, eu tenho o direito inegociável de manifestar o meu pensamento crítico a qualquer tipo de atitude pública com a qual não concorde. Desde que eu não aja com violência, nada pode impedir a expressão do meu pensamento contra qualquer agente público de qualquer um dos três Poderes. A livre manifestação do pensamento é uma garantia constitucional assegurada em cláusula pétrea: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Quando alguém sai da crítica institucional e envereda para uma ofensa pessoal, pode o vitimado ser indenizado. Reprimir ou restringir a expressão livre e soberana do pensamento, contudo, jamais pode ser admitido, sob pena de destruição de um dos mais importantes alicerces da razão de ser do Estado.
Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.
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