“O maior choque mundial sofrido pelos sistemas educacionais na história da humanidade”. É dessa forma que o Banco Mundial classifica o impacto da pandemia na educação. No relatório “Agindo agora para proteger o capital humano de nossas crianças no futuro”, a organização alerta que o contexto que vivemos tem um sério impacto, sobretudo nos estudantes em situação de vulnerabilidade social e econômica. Isso gera um fenômeno classificado como pobreza de aprendizagem.
Na prática, a parcela de crianças que não consegue ler um texto simples ao terminar o ensino fundamental tende a aumentar de 51% para 62,5%. Em vidas, estamos falando de mais de 7,6 milhões de crianças pobres de aprendizagem e de um aumento de 20% dos danos. A análise por regiões aponta que a América Latina e o Caribe podem se tornar territórios com o maior aumento absoluto de alunos que ficam abaixo dos níveis mínimos de proficiência medidos pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).
O mapeamento reflete que “embora os sistemas educacionais da América Latina e do Caribe enfrentem um desafio sem precedentes, esta situação excepcionalmente difícil abre uma janela de oportunidades para que a reconstrução torne os sistemas educacionais ainda melhores, mais eficazes, igualitários e resilientes”. Na região, são 170 milhões de estudantes impactados.
A médio e longo prazo, o fechamento das escolas representará uma perda de produtividade. Ou seja, os prejuízos na aprendizagem podem ser traduzidos por um custo econômico agregado de perda de ganhos na ordem de US$ 1,7 trilhão (estimativa para 10 meses de fechamento). Além disso, tal impacto tem potencial de ampliar a desigualdade dos resultados socioeconômicos em 12%, o equivalente a um quarto do ano letivo.
Crianças e jovens vulneráveis ficarão ainda para trás, sobretudo em regiões como o Brasil, que já vivenciava uma crise de aprendizagem anterior à pandemia. Nossos alunos já não tinham acesso a uma educação de qualidade. Quando pensamos na evasão escolar, as simulações do Banco Mundial apontam para um aumento de 15% por conta da crise sanitária.
A tradução desses números endereça a recomendação de que se abra espaço para o uso inteligente da tecnologia de dados. Isso pode, em longo prazo, orientar a educação para um aumento significativo de eficiência em processos de aprendizagem, fortalecimento do setor e desenvolvimento de uma visão que coloca o aprender em todos os lugares.
A alavancagem do potencial inexplorado da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e das intervenções com suporte de dados capazes de fornecer evidências de aprendizagem têm sido apontadas como opções de enfrentamento dos desafios. Mas cabe ressaltar que menos de 43% das escolas do ensino fundamental e 62% do secundário na América Latina e no Caribe têm acesso à internet para fins pedagógicos. A redução das desigualdades digitais, de infraestrutura e de capacidade digital pedagógica e de sistemas passam pela transposição dessas barreiras de acesso.
O psicólogo cognitivo e educacional Howard Gardner, cientista das inteligências múltiplas e diretor-sênior do Project Zero, da Universidade Harvard, reflete sobre como o uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica pode ajudar a dar um salto na educação das gerações futuras.
Além de responder à tarefa de motivar o estudante, a inovação digital nas escolas pode ter um papel importante. Aproximar o conteúdo do universo dos estudantes e tornar a educação mais relevante, individualizada e eficiente para alunos e professores. Nesse sentido, a inserção da tecnologia na educação não se limita a deixar o conteúdo mais atrativo. Ela permite que os professores conheçam as necessidades de cada aluno em tempo real, de forma personalizada. E que dessa forma possam ajudá-los antes que eles travem, fiquem desmotivados e que desistam por não estarem aprendendo, sobretudo em um cenário pós-pandemia.
Gardner diz que ele e a esposa têm ensinado as crianças por Zoom e Facebook com a perspectiva da personalização do ensino. De acordo com ele, a tecnologia, se construída corretamente, permite a pluralidade no ensino. Entre as inúmeras reflexões interessantes trazidas, uma delas foi sobre o potencial da tecnologia para personalizar a educação. Algo, aliás, que se conecta com a visão que tenho sobre a importância da inteligência de dados nas escolas.
Segundo ele, antigamente somente quem podia pagar um tutor teria uma educação personalizada. Ou seja, uma estrutura educacional que respeita a maneira particular de cada um aprender. Claro que esse era um privilégio de poucos.
Com o desenvolvimento da tecnologia, dentro de um contexto pedagógico correto, um aluno pode ter acesso a um mesmo conteúdo de 15 formas diferentes. E o professor também pode ensinar de inúmeras formas o mesmo conteúdo, respeitando as diversas formas de aprender de diferentes alunos. Ele usa, inclusive, a palavra pluralização para definir esse ensinar e aprender propiciado pela tecnologia.
No entanto, como alerta o relatório do Banco Mundial, esse acesso está condicionado à capacidade de governos investirem na inclusão digital, sobretudo, em escolas públicas. Do lado do ensino privado, o desafio é vencer preconceitos associados a conceitos errados do que é a tecnologia dentro da sala de aula. Em síntese, como diz Howard Gardner: “A qualidade do sistema educacional de uma nação será uma das principais determinantes – talvez a principal – de seu êxito durante o próximo século e para além dele”.
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*artigo escrito por Claudio Sassaki. Graduado em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa que desenvolveu a primeira plataforma de educação baseada em dados no Brasil. O especialista tem atuado com estudantes e educadores no desenvolvimento de iniciativas inovadoras que potencializam a aprendizagem.