A falta de atenção e a hiperatividade tornou-se um dos principais problemas identificados nas escolas atualmente. É comum ouvirmos relatos de crianças que têm dificuldade de se concentrar, de se organizar, parecem mais agitadas do que o “normal”, são desastradas e desajeitadas. Dependendo da frequência, da intensidade e dos prejuízos que esse conjunto comportamentos pode trazer para a vida dessas crianças, ele caracteriza o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que representa um dos temas mais estudados em crianças em idade escolar estimando-se que de 2 a 9% das crianças nesta fase são diagnosticadas com TDAH.
Três tipos principais de sintomas estão relacionados ao TDAH, são eles: dificuldade de atenção, alta impulsividade ou desinibição e alta atividade ou hiperatividade.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), sintomas de desatenção caracterizam-se pela frequência de: (a) dificuldade de concentrar a atenção em detalhes ou cometimento de erros no trabalho escolar, profissional ou em outras atividades por descuido; (b) dificuldade de manter a atenção em tarefas; (c) dificuldade de ouvir e manter a atenção quando lhe dirigem a palavra; (d) não seguimento de instruções e não término das atividades escolares, profissionais, etc.; (e) dificuldades em organizar tarefas e atividades; (f) evitação ou relutância em envolver-se em tarefas que demandam esforço mental prolongado; (g) perda de coisas que são necessárias para realização das tarefas ou atividades; (h) distração com estímulos alheios à tarefa; e (i) apresentação de esquecimentos em atividades diárias.
Sintomas de hiperatividade/impulsividade caracterizam-se por frequência de: (a) agitação das mãos ou pés e movimentação na cadeira; (b) abandono da cadeira na sala de aula ou em situações que se necessita ficar sentado; (c) circulação excessiva em ambientes inadequados; (d) dificuldade de brincar ou de se envolver tranquilamente em atividades de lazer; (e) agir como se tivesse um motor; (f) fala em excesso; (g) fala sem pensar ou responder antes da pergunta ser finalizada; (h) dificuldade de esperar sua vez; e (i) interrupção a outras pessoas.
O TDAH pode se apresentar de forma combinada: desatenção e hiperatividade; ou de forma com predomínio de hiperatividade ou predomínio de desatenção. Muitas crianças podem apresentar como sintomas conjugados a ansiedade e a depressão.
O transtorno se manifesta, geralmente, antes dos sete anos de idade, podendo persistir até a vida adulta. Para que o diagnóstico seja concretizado, a pessoa necessita apresentar, no mínimo, seis sintomas de desatenção e/ou hiperatividade que acarretam prejuízos significativos ao funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.
Além disso, há necessidade de contextualizar os sintomas na história de vida da criança, com a finalidade de um diagnóstico claro, já que muitos deles podem ocorrer isoladamente ou em conjunto como resultado da relação da criança com a escola, com seus pares, ou da criança com outros transtornos em comorbidade.
O TDAH é um transtorno multifatorial e explicado a partir da interação neurobiológica e ambiental. Os estudos mostram que 35% dos parentes próximos de crianças diagnosticadas com TDAH, também apresentam o transtorno.
Quando os pais são diagnosticados com TDAH, há quase 50% de chance de os filhos biológicos também serem diagnosticados. Isso quer dizer que existe pouca evidência de que ele aconteça APENAS por causa de fatores ambientais, tais como criação ou estresse ambiental.
Qualquer pessoa pode enfrentar momentos de maior desatenção ou agitação como resposta a um ambiente estressante, pouco acolhedor, ou que pareça exigir mais do que ela pode se desempenhar.
Se esses comportamentos só acontecem em lugares específicos (ex: a pessoa só é desatenta na escola), diante de tarefas (ex: uma matéria que não domina tanto) ou pessoas específicas (ex: um controle parental mais rígido), provavelmente não estamos falando de um transtorno. No entanto, ainda assim faz-se importante um manejo adequado para que se possa transpor esses estressores de forma natural e a vida continuar.
Não posso deixar de mencionar que é importante fazer essa diferenciação do que é TDAH e o que não é um transtorno. Isso porque uma das grandes críticas a esse diagnóstico se refere aos fatos: dele ser uma construção social, da medicalização excessiva das crianças e da superdiagnosticação.
Quando falamos de transtorno não estamos falando de uma criança que não para quieta na aula, ou que precisaria de mais atenção para terminar uma tarefa escolar. Apesar do TDAH ser alertado com frequência em idade escolar, ele não é um “transtorno daquilo que a criança precisaria estar dando conta na escola e não está”.
Estamos falando da criança que vai ter prejuízos em vários aspectos da sua vida, o escolar é só mais um deles, por fatores neurobiológicos que precisam ser olhados com atenção.
Como o TDAH interfere na vida social e escolar da criança?
Crianças com TDAH frequentemente apresentam dificuldades de aprendizagem e de relacionamento e contam com o rótulo de rebeldes, mal-educados, indisciplinados, etc. Você já parou para pensar como a desatenção, a hiperatividade ou a impulsividade como sintomas isolados podem resultar de muitos problemas na vida das pessoas no geral?
Imagine alguém só desatento começando uma conversa com amigos sobre o fim de semana. É bem possível que essa pessoa fique perdida sobre a quais estímulos relevantes que precisa responder.
A conversa, por exemplo, poderá estar girando em torno de um filme específico que um dos colegas assistiu no final de semana. Mas ela está com dificuldade de selecionar ao que responder: sobre o filme, sobre o que ela fez no fim de semana, sobre o que algum colega está falando, sobre o que outra pessoa está fazendo ali por perto.
Combinando essa dificuldade com a impulsividade, essa pessoa pensou no estímulo e já respondeu: ela falou algo do filme que a gente não sabe se fez sentido para os colegas, ela falou do fim de semana dela quando os colegas falavam do filme, ela mexeu no brinquedo que estava na mão de outro colega que estava perto e ele se incomodou.
Além das dificuldades sociais, a literatura científica mostra relações entre ser portador de TDAH com o mau desempenho escolar. É importante frisar que pesquisadores têm muita dificuldade de sintetizar o que venha a ser o mau desempenho escolar, visto esse ser um constructo multidimensional que depende de fatores tais como: características físicas da escola, características pedagógicas da escola, características dos professores, características da família e do próprio indivíduo.
Fato é que quando comparados a crianças e/ou adolescentes sem o diagnóstico, aquelas que tem o diagnóstico TDAH apresentam notas menores, maior frequência de repetências e suspensões.
Atenção e distração
A atenção é um processo que permite que a pessoa selecione, entre vários estímulos do ambiente, aqueles que ele precisa responder de forma efetiva no momento, para obter o resultado que deseja.
É bem verdade que vivemos em um mundo no qual o “bombardeio de informações” externas vem aumentando gradativamente, o que afeta o funcionamento integrado das diversas áreas cerebrais, pois exige maior filtro por parte do cérebro das informações que são ou não relevantes.
Chamo de bombardeio de informações todas aquelas que afetam nossos órgãos sensoriais, seja de origem interna (sistemas internos de regulação, por exemplo) ou externa. O ambiente contém muito mais informações que é possível de serem processadas pelo nosso cérebro e ele usa o processo de atenção para fazer esse filtro.
Distrair-se significa prestar atenção em alguma informação do ambiente que não vai ser efetiva para que se realize uma tarefa proposta no momento. Tão logo eu volto minha atenção para o que eu preciso fazer, minha distração deverá “passar”.
A distração, muitas vezes, pode ocorrer quando estamos desmotivados, achamos que não vamos conseguir fazer a tarefa ou não entendemos o que precisamos fazer. Além disso, é mais fácil se distrair quando temos um estímulo no ambiente que chama mais atenção que outro. Como, por exemplo, um som alto ou algo mais interessante para prestar atenção.
Atualmente nossos celulares, por exemplo, nos levam constantemente a esta sensação de que sempre há algo no mundo virtual mais interessante do que o mundo real.
A idade também influência em nosso processo atencional. Pesquisas eletrofisiológicas mostram que a seletividade de reflexos orientados é desenvolvida ao longo da infância. Ela atinge seu auge na adolescência e vida adulta, apresentando declínio na velhice.
Funções executivas e o TDAH
É importante frisar que rotineiramente utilizamos diagnósticos relacionados à saúde mental para justificar questões referentes ao aprendizado, ao comportamento, ou a disciplina parental. E com o TDAH não é diferente, ele é muitas vezes citado para justificar o comportamento de crianças cheias de energia.
Entretanto, para além das dificuldades comportamentais relacionadas à hiperatividade, impulsividade e desatenção, identifica-se também que o TDAH preconiza prejuízos nas funções executivas (FE) indicando alteração no funcionamento cognitivo.
As FE dizem respeito a um conjunto de habilidades cognitivas que permitem o planejamento e monitoramento das nossas ações. Elas são direcionadas para um objetivo específico em um determinado ambiente.
Didaticamente, divide-se as FE em grupos de: memória de trabalho que se refere à habilidade de armazenar temporariamente a informação que poderá ser acessada por outros circuitos neurais; atenção seletiva e controle inibitório que compreendem a habilidade de pensar antes de agir; e flexibilidade cognitiva que se refere a habilidade de mudar a ação, conforme a demandas do ambiente.
Estudos neuropsicológicos identificam que o TDAH interfere principalmente nos processos de controle inibitório e no planejamento e execução.
Se há vulnerabilidades relacionadas às FE, elas comprometem a vida da pessoa, além daqueles com quem ela convive, tornando difícil o desenvolvimento da autonomia. Mas, mesmo diante de um diagnóstico de TDAH, essas são habilidades que são aperfeiçoadas ao longo do desenvolvimento infantil e podem ser aprendidas.
A questão é que esse desenvolvimento por vezes é tão sútil, que temos a impressão de que não há um efeito da aprendizagem nesses processos. Mas esse efeito existe.
Vamos a um exemplo: um bebê que chora ao sentir fome inicialmente continuará chorando quando a mãe fala “um minuto, meu filho, eu já irei te alimentar”, até ela o amamentar ou lhe der a mamadeira. Com o tempo, esse mesmo bebê já consegue ficar mais calmo ao ouvir a voz da mãe dizer que já está indo, mesmo sem o peito ou a mamadeira na boca e quando esse pequeno inicia a introdução alimentar consegue esperar a sua mãe trazer o prato para que ela o alimente.
O comportamento de espera está intimamente ligado ao controle inibitório. Nesse início da vida é um processo tão natural, que os pais às vezes nem percebem que estão auxiliando nesse desenvolvimento.
Como ajudar uma criança com TDAH ou com dificuldade de atenção ou agitação?
Pois bem, a primeira forma de ajudar uma criança desatenta, desorganizada, agitada, desastrada, desajeitada… é parando de usar rótulos e procurando entender o que está acontecendo.
Não existe um marcador biológico ou um teste específico que revele um diagnóstico. Por isso dizemos que o diagnóstico é clínico, baseado principalmente na anamnese, exame físico e exames complementares.
Crianças que apresentam essas vulnerabilidades atencionais e de hiperatividade em seus repertórios comportamentais, precisam de um apoio a mais. O tratamento do TDAH deve ser feito a partir de uma abordagem interdisciplinar que inclui intervenções psicossociais, escolares e farmacológicas.
Informação e conhecimento deve ser a primeira premissa de todo o tratamento e isso não é diferente para o TDAH. A psicoeducação permite que a família e o paciente entendam o que estão tratando. A evolução e o prognóstico do transtorno contribui para decisões claras e consistentes e facilitam o manejo dos sintomas.
Esse é o tipo de intervenção que deve ser feita por todos os profissionais que trabalham com a criança e a família.
Muitas vezes o tratamento é iniciado pelo médico, mas quando não for, a criança precisa ser encaminhada para um. É o médico que vai avaliar a necessidade de iniciar a medicação que apresenta índice de sucesso para o TDAH realmente alto. Em especial aquele que se apresenta sem comorbidades – menos de 10% dos pacientes não terão uma melhora nos sintomas.
A cientificidade também deve nortear a intervenção psicoterápica. De acordo com a abordagem da terapia baseada em evidências, o padrão ouro atual para o tratamento do manejo do TDAH é encontrado na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
O foco dessa intervenção é proporcionar mudança no repertório comportamental do paciente e na sua relação com seu ambiente. Ela auxiliará em assuntos referentes a autoestima, autoconfiança e autoimagem e contribuirá para o desenvolvimento das FE relacionadas ao controle inibitório e no planejamento e execução a partir da aprendizagem de autocontrole, do manejo da atenção e da resolução de problemas.
O tratamento não promove a cura, mas a redução temporária dos sintomas e o aprendizado sobre como lidar com as dificuldades associadas ao transtorno. Assim também acontece para o ambiente escolar. O manejo comportamental na escola não visa controlar sintomas, mas sim adaptar o ensino para as vulnerabilidades que a criança apresenta.
Como trabalhar nas escolas com alunos com TDAH?
O TDAH é um tema bastante recorrente em pesquisas sobre problemas de comportamento em sala de aula. Isso indica a efetividade do uso do manejo comportamental sobre o desempenho acadêmico das crianças.
Dentre as técnicas comportamentais mais utilizadas incluem-se: a discriminação condicional, que consiste em favorecer a emergência das relações do tipo “se… então…”, a fim de favorecer a previsibilidade do ambiente e a noção de consequência do comportamento; a divisão de tarefas em partes menores, que consiste em combinar períodos que a criança consegue manter a concentração e intervalos para o cumprimento de objetivos menores a fim de realização de objetivos maiores; e a implementação de sistema de fichas ou pontos que consiste na utilização de fichas ou pontos que quando ganhos pela realização do comportamento desejável, podem ser trocados por reforçadores de maior magnitude pelo aprendiz, ele tem a função de motivar a emissão de comportamentos desejáveis, ausentes no repertório do sujeito ou presentes em baixa frequência.
O manejo de uma criança com TDAH em sala é tarefa difícil. O tempo que o professor tem para cada criança, seu estilo de trabalho, sua atitude em relação as estratégias, além de características pessoais deste profissional. Tudo isso terá impacto sobre o comportamento da classe e sobre o comportamento individual de cada criança.
Considerações finais
O TDAH é um transtorno que afeta a vida da criança e sua família. Quando estamos falando em TDAH, não estamos falando naquela desatenção que muitos de nós experimentamos nos dias atuais, quando temos a impressão que ter atenção é um privilégio de poucos.
Então por mais que há uma compreensão que nossa vida contemporânea acaba favorecendo a distração e a impulsividade. É importante lembrar que esse é um transtorno que não é novo e já se encontra descrito desde o século XVII, com outras nomenclaturas.
O diagnóstico é clínico e multifatorial e precisa levar em conta a história de desenvolvimento da criança, a história familiar, os sintomas e como eles interferem na vida da criança, o desenvolvimento neuropsicomotor, características dos ambientes nos quais essa criança se insere (escola, casa, etc.), entre outros fatores que possam estar interferindo nesta expressão de comportamento.
No dia a dia clínico a informação e conhecimento devem ser a base do tratamento. Uma exposição sobre prós e contras pode fomentar uma discussão clara entre a família e os profissionais. Ademais, permite escolhas conscientes sobre o rumo do tratamento.
Além disso, na rotina escolar, sabemos que a necessidade da individualização do manejo faz com que a tarefa muitas vezes se torne árdua, visto contar com a disponibilidade e habilidades do educador.
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*artigo escrito por Anna Beatriz, psicóloga e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo. Atua há mais de 10 anos atuando em consultório particular em Vitória, São Paulo e Rio, atuou como psicóloga no Hospital Psiquiátrico da Marinha. Atualmente é responsável pela Clínica Ampliare: Saúde e Bem-estar. Fornece supervisão clínica, ministra cursos/palestras e tem sua atuação voltada para o atendimento adulto e atendimento infantil.