Após a eleição do socialista François Hollande na França e o crescimento da insatisfação com a expansão da austeridade fiscal defendida pela chancelar alemã Angela Merkel, pode-se, enfim, vislumbrar alguma inflexão na condução dos assuntos econômicos na Europa.
Muitos analistas apontam que estamos vivendo a repetição de um debate travado na década de 1930, durante a Grande Depressão, com a diferença de que existem atualmente disponíveis diversos estudos sobre aquele período e que poderíamos ter aprendido mais com o tempo. Não parece ser esse o caso. Andrew Mellon, secretário do Tesouro do presidente norte-americano Herbert Hoover (1929-1933), não poderia ter encontrado melhor discípula no presente do que a senhora Merkel.
Em 1936, o liberal Keynes afirmou que os dois principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas. Nos EUA, a principal dinâmica da economia nos últimos 30 anos tem sido a divergência entre o crescimento da produtividade e os salários dos trabalhadores comuns. Esta divergência tem sido cada vez mais reconhecida como uma das causas do crescimento das desigualdades das rendas naquele país.
Políticas de bem-estar social construídas democraticamente na Europa ocidental após a Segunda Guerra lutam para sobreviver. Em um contexto de aberto questionamento do caminho da austeridade defendido pela Alemanha, já se menciona o fim do euro e as prováveis consequências dos retornos das moedas nacionais. Tudo indica que esse processo será iniciado na Grécia e depois se espalhará por Espanha, Portugal e Itália e, quem sabe, chegará à França. Seria esse um cenário inimaginável?
Democracias políticas de bem-estar social não combinam com padrões monetários rígidos e políticas fiscais impotentes, de caráter pró-cíclico. Os desdobramentos da crise dependerão da Alemanha, superavitária em sua conta corrente em relação à eurozona. Ela sabe muito bem o que é ser constrangida por um endividamento externo e não ter os meios para dar respostas políticas satisfatórias ao seu povo. Na década de 1930, a depreciação das condições de vida do povo alemão contribuiu para a ascensão de Adolf Hitler.
A economia alemã deveria ser a locomotiva do euro e executar o papel de retirar a zona da crise pela elevação da sua demanda doméstica, com o risco de pressão inflacionária, e com a liderança na organização de transferências internas à união monetária de recursos fiscais comuns. O Banco Central Europeu teria que funcionar como um emprestador de última instância para os governos em dificuldades. Não parece que esse será o caso. Infelizmente, os alemães pretendem impor aos devedores as dores do ajuste, que não pode ocorrer por desvalorizações cambiais. Sobra então a opção de reduzir salários e direitos trabalhistas, isto é, atacar as políticas de bem-estar social.
Ideias baseadas na Lei de Say (economia do lado da oferta) sustentam que esse deve ser o caminho racional da eurozona. Não é preciso muito esforço para se constatar que a oferta não é capaz de gerar sua própria demanda em uma economia monetária, pois a incerteza em relação ao futuro faz com que os indivíduos tenham basicamente três motivos para entesourar recursos financeiros (1) precaução, (2) transação e (3) especulação. Sabemos também que a economia de mercado comporta crises de superprodução e expressivas ociosidades de capacidades produtivas. O pleno emprego dos fatores de produção e o escoamento integral da oferta não são automaticamente garantidos em um regime de laissez-faire.
Quanto ao Brasil, deve-se destacar que sua indústria de transformação sofreu ultimamente por conta de um câmbio desfavorável e que existe grande capacidade ociosa mundo afora em diversos setores. Globalmente, houve deslocamento do investimento para fusões e aquisições entre 2010 e 2011. Pode-se supor, portanto, que as empresas estejam buscando regular a concorrência nos mercados, concentrando setores e centralizando o capital. Nesse cenário, oligopsônios exerceriam poder de mercado junto aos produtores de commodities.
Do ponto de vista do fôlego do modelo vigente de crescimento brasileiro, deve-se ponderar que há a expectativa de que os preços da maioria das commodities caiam 15% no próximo ano, em parte devido ao enfraquecimento da demanda da China. Nesse cenário, seriam afetadas as exportações brasileiras, preços e quantidades, além das suas expectativas de crescimento econômico com inflação abaixo do teto da meta oficial de 6,5% ao ano.
Rodrigo L. Medeiros (D.Sc.) é membro da World Economics Association (WEA).
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[i]Mellon aconselhou o presidente Hoover: “deixe liquidar o trabalho, liquidar as ações, liquidar os fazendeiros, liquidar o mercado imobiliário (…) isto irá eliminar a podridão do sistema (…) o povo irá trabalhar mais duro, viver uma vida mais correta.