Publicado on-line no dia 26 de julho o mais recente Índice Big Mac, algumas reflexões ainda se fazem necessárias em torno do câmbio. Afinal, já se pode ler em estudos e alguns artigos de opinião que as barreiras alfandegárias brasileiras são praticamente anuladas pela persistente sobrevalorização cambial do real frente ao dólar.
Apesar da apreciação da moeda chinesa entre julho de 2007 e o presente mostrada por The Economist, constata-se que a reorientação do modelo exportador não será tarefa tão simples. Com aproximadamente 40% de desvalorização cambial de sua moeda, os chineses poderiam enfrentar muitos problemas nessa transição para uma maior participação do consumo doméstico no PIB. Não se descarta de antemão redução significativa da taxa de crescimento e um aumento de tensões sociopolíticas internas.
O simples fato de que os super-ricos chineses tenham uma soma de US$1,18 trilhão em paraísos fiscais, segundo divulgou a Tax Justice Network, é sinal de que a cor do gato tem alguma relevância no jogo econômico. Já os seus congêneres brasileiros possuem um estoque de capital equivalente a um terço do PIB em paraísos fiscais. Trata-se, ainda segundo a Tax Justice Network, da quarta maior quantia do mundo depositada offshore. Diz ainda a Tax Justice Network que além dos acionistas de empresas dos setores exportadores de minerais (mineração e petróleo), os segmentos farmacêutico, de comunicações e transportes estão entre os que mais remetem recursos para paraísos fiscais.
Não é novidade para os estudiosos de questões econômicas que o câmbio vem sendo utilizado desde o Plano Real para combater a inflação. Segundo números da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, entre 1994 e 2010 houve um salto de 24,88% para 44,58% na participação de produtos básicos (commodities) na pauta exportadora brasileira. Os manufaturados, por sua vez, tiveram sua participação reduzida de 57,86% para 39,40%.
Tampouco é novidade que a desindustrialização se aprofundou entre nós. São muitos os fatores que explicariam esse processo – problemas institucionais e de infraestrutura física que dificultam investimentos produtivos, o crescimento da demanda de consumo facilitado pelo boom dos preços das commodities exportadas, a expansão recente da renda e do crédito.
Desde o filósofo moral Adam Smith (1723-1790) sabe-se que o processo de desenvolvimento econômico está associado às manufaturas. A causa mais importante do crescimento econômico, disse Smith, é a divisão do trabalho. Ele ilustrou essa idéia com um exemplo de manufatura simples uma fábrica de alfinetes. Retornos crescentes de escala propiciados pela introdução de aperfeiçoamentos incrementais nos métodos e na organização da produção industrial engendrariam o desenvolvimento econômico. Inovações disruptivas também ocorreram desde então e constatou-se também serem os limites de expansão da produção primária inferiores em termos de retornos crescentes e elasticidade da demanda aos das manufaturas.
A partir da década de 1950, reconheceu-se que para o desenvolvimento econômico na periferia do capitalismo se sustentar fazia-se necessário que a elasticidade-renda da demanda por suas exportações se torne gradualmente superior a elasticidade-renda da demanda por importações para evitar estrangulamentos no balanço de pagamentos. Nesse sentido, considerando que o Brasil é um país urbano, como se pode efetivamente pensar em apenas focar esforços exportadores nos recursos naturais, deixando o câmbio flutuar ao sabor do mercado, num tempo em que se espera por um modelo de desenvolvimento sustentável e não predatório?
Uma economia tomadora de preços nos mercados globais apresenta sua fragilidade em termos de crescimento sustentado. Afinal, como seria possível utilizar preciosos recursos naturais produtivamente para desenvolver com inteligência e racionalidade indústrias de intensidades tecnológicas média-alta e alta de apoio e correlatas? Qual a divisão institucional do trabalho entre o Estado, o capital privado nacional e o investimento estrangeiro direto nesse processo? Essas são apenas algumas perguntas que deveriam embasar uma agenda nacional de desenvolvimento socioeconômico no presente.
Rodrigo L. Medeiros (D.Sc.) é membro da World Economics Association (WEA)