Desequilíbrios regionais e a crise global

Tema recorrente em publicações diversas diz respeito às históricas desigualdades sócio-regionais brasileiras. Não se trata tampouco de novidade o fato de suas regiões metropolitanas adensadas concentrarem atividades econômicas (investimentos) e melhores oportunidades profissionais.

Buscarei abordar no presente artigo algumas dificuldades do enfrentamento de questões dessa natureza, considerando a combinação do contexto atual de crise mundial com a ausência de uma estratégia brasileira de desenvolvimento sustentado. Reconheço de antemão as dificuldades de delimitação do problema e a complexidade de articular assuntos correlatos, mas ainda assim aceito o desafio.

Existem diversos motivos que ajudariam a explicar a concentração geográfica de investimentos e oportunidades – infraestrutura e serviços melhores, elevado número de pessoal qualificado e vida cultural mais intensa, por exemplo. Há por certo implicações na distribuição geográfica da renda; regiões mais prósperas tendem a favorecer o dinamismo econômico e uma maior mobilidade social, apesar das desigualdades persistirem entre nós.

A região Sudeste concentra aproximadamente 55% do PIB brasileiro e somando-se o Sul, tem-se aproximadamente 71% do produto nesse eixo. Dificilmente se poderá contar exclusivamente com o mecanismo de mercado para atenuar esses desequilíbrios sócio-regionais. Segundo afirmou Charles P. Kindleberger, “o capital flui na direção errada, dos mais pobres para os mais ricos, e é consumido quando chega, em vez de ser investido em projetos produtivos”.  O modelo ainda vigente de crescimento brasileiro conhece bem esse quadro de assimetrias e tensões federativas. Infelizmente tais tensões retornaram ao palco das discussões no Congresso Nacional e não se percebe, por hora, disposição para uma repactuação federativa de alto nível. Há quem diga faltar coordenação política e interesse do Poder Executivo em mediar os conflitos federativos. Não entrarei nessa questão política no momento, apesar de considerá-la relevante.

A concentração econômico-espacial brasileira se rebate internamente nos estados da federação. Grandes desigualdades sociais estão cristalizadas nas suas regiões metropolitanas. Não deveria ser surpresa, portanto, que o tema “mobilidade urbana” ganhe destaque nas campanhas municipais de 2012 e se torne tão popular. Os números são de fato preocupantes. Estima-se, por exemplo, que no Rio de Janeiro 22% dos trabalhadores demorem mais de uma hora para chegar ao emprego. Para as metrópoles brasileiras, esse número atinge 17,5% dos trabalhadores; em São Paulo, 23,2%. Tal quadro dificilmente melhorará com mais automóveis rodando nas ruas.

Nesse sentido, já se observam algumas deseconomias de escala atuando nas complexas regiões metropolitanas por conta do costumeiro descaso da parte dos municípios com o planejamento urbano, o que não deixa de ser um aspecto do custo Brasil. As outras instâncias executivas têm suas devidas responsabilidades nesse imbróglio. Nota-se, ademais, que os governos são mais reativos do que pró-ativos nesse e em outros campos da administração pública.

O governo federal lançou um programa para melhorar a mobilidade urbana recentemente. Trata-se por certo de uma agenda positiva para o País. Entretanto, deve-se destacar que as dificuldades de execução dos investimentos públicos são patentes entre nós. Vejamos uma rápida comparação pertinente. Ao passo que Índia e China conseguem investir mais de 10% do PIB, o Brasil não tem passado a casa de 3% do PIB em investimentos públicos. Qualquer gestor público razoavelmente eficiente sabe que escolhas precisam ser feitas quando se planeja o gasto. Prioridades e metas precisam ser estabelecidas e monitoradas. Não creio que o problema seja estritamente técnico.

Afinal, qual é a agenda brasileira de desenvolvimento? Quais as suas prioridades para a década? Há alguma agenda institucional democrático-progressista sendo amplamente debatida? Quais os projetos estruturantes que deveriam ser priorizados nas distintas regiões brasileiras, em quanto tempo eles seriam executados e de onde mesmo viriam os recursos? Quais são os papéis do Estado, do capital privado nacional e do investimento estrangeiro direto no nosso processo de desenvolvimento? São muitas as perguntas que ainda poderiam ser feitas.

Reconheço, entretanto, que pelo menos existe atualmente algum consenso quanto aos limites do modelo de crescimento puxado pelo consumo e o endividamento das famílias. Não podemos olvidar que o crescimento econômico com câmbio sobrevalorizado e déficit crescente em conta corrente já apresentou seus limites no passado recente. Movimentos internacionais de capitais que ocorrem por mudanças abruptas de expectativas podem causar mais adiante abalos no estado de acomodação política vigente. Não se deveria esperar por mais uma crise no balanço de pagamentos para agir com inteligência e responsabilidade no presente.

Por hora alguns fatos curiosos chamam a nossa atenção. Divulgou-se recentemente em diversos veículos de comunicação social que os brasileiros mais ricos possuem fortuna estimada em aproximadamente US$520 bilhões depositados em paraísos fiscais, o quarto maior volume de recursos, atrás de China (US$1,18 trilhões), Rússia (US$798 bilhões) e Coreia do Sul (US$779 bilhões). As 100 mil pessoas que formam a elite financeira global respondem por US$9,8 trilhões de um total avaliado entre US$21 trilhões e US$32 trilhões em offshores ao fim de 2010.

Segundo observou agudamente Kindleberger, “algumas vezes o investimento direto envolve muito pouco dinheiro novo levantado no país de origem e costuma utilizar dinheiro do hospedeiro”. Compreende-se, portanto, algumas das dificuldades de enfrentamento da crise global ainda vigente. Solidariedade, compromisso nacional e equidade não parecem ser aplicáveis nesse contexto de grandes assimetrias globais, mas as circunstâncias históricas mudam e esses respectivos conceitos podem muito bem ser efetivamente aplicáveis em um próximo momento. O tempo e as disputas políticas dirão.

Rodrigo L. Medeiros (D.Sc.) é membro da World Economics Association (WEA)
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Movimentos internacionais de capital. Publicado em 1987 pela Cambridge University Press.

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