A discussão política por uma nova divisão dos royalties do petróleo entrou na pauta da mídia
novamente. Rio de Janeiro e Espírito Santo foram literalmente atropelados pelos processos
de votação no Congresso Nacional e o poder executivo federal se omitiu mais uma vez nessa
discussão, tal como um Pilatos pós-moderno. Esta não é uma questão a ser analisada de forma
isolada, pois ela integra o imbróglio do recrudescimento das tensões federativas entre nós.
Encontram-se aguardando julgamentos no STF mais de cinco mil ações de litígios fiscais
interestaduais. Tal impasse federativo causa prejuízos e grandes incertezas para o investidor
produtivo. Faltam lideranças esclarecidas na condução dos assuntos federativos. Talvez seja
por esse motivo que o experiente senador Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado Federal e
ex-presidente da República, criou uma comissão de especialistas para estudar a renovação do
pacto federativo em alto nível político. Trabalho este que já foi entregue ao respectivo senador
e encontra-se, portanto, pronto para maiores discussões no Congresso Nacional.
Onde esteve a Presidência da República até agora nessa discussão política? Pelo noticiário
podemos inferir que ela esteve bem ocupada articulando os estímulos à economia. Pois bem,
em 1995 o BNDES emprestou o equivalente a 1% do PIB e a taxa de investimento produtivo
no Brasil foi de 18% do PIB; no ano de 2010, o BNDES desembolsou 4,5% do PIB e a taxa de
investimento foi de 18,4% do PIB. Dúvidas existem quando ao sucesso da mera extensão dessa
fórmula.
Pode-se alegar que a persistente crise global poderia ter reduzido essa taxa de FBCF caso
nada mais fosse feito. Esse tipo de argumentação possui de fato respaldo macroeconômico
nas experiências históricas do capitalismo (cf. Barry Eichengreen, A globalização do capital.
2.ed. Editora 34, 2012). O que devemos questionar é se esgotamos efetivamente o rol das
reformas institucionais progressistas necessárias ao desenvolvimento sustentado do país. Não
me parece ser esse o caso quando analisamos as tensões federativas presentes.
A nova divisão dos royalties do petróleo aprovada recentemente no Congresso Nacional e que
aguarda apreciação da Presidência da República é apenas a ponta desse iceberg. Há quem
aposte no veto à ruptura dos contratos firmados legalmente e também existem argumentos
de que as razões políticas de Estado fariam com a presidenta aprovasse o texto na íntegra,
o que empurraria o imbróglio político para uma judicialização no STF. A situação fiscal do RJ,
incluindo 89 dos 92 municípios, é grave. Entretanto, segundo estimativas publicadas, o ICMS
do petróleo cobrado exclusivamente no destino do consumo desfalca tanto ou mais o RJ do
que as eventuais perdas da nova divisão aprovada. Estamos falando do artigo 155 da Carta
Magna, inciso X, b, ou seja, de números que podem girar ao redor dos R$8 bilhões/ano em
desfavor do RJ. São Paulo, a mitológica locomotiva da pátria paulista, representa um terço
do nosso PIB, concentrando o recebimento de aproximadamente 55% do ICMS do petróleo.
RJ e ES, por sua vez, somam 13% do PIB. Uma reforma constitucional que quebrasse o ICMS
do petróleo exclusivamente no destino não seria nada fácil para o RJ, mesmo que ele contasse
com a solidariedade do ES e/ou de outros estados.
Há experiências internacionais que nos mostram ainda existirem diversos caminhos a serem
analisados na divisão dos royalties do petróleo. No estado norte-americano do Alasca, por
exemplo, parte dos royalties é paga diretamente para os cidadãos e outra pare é destinada a
um fundo permanente de investimento. A abundância do ouro negro não é necessariamente
uma maldição, desde que as estruturas administrativas dos governos, suas instituições,
reconheçam que esses recursos são finitos e que os gastos precisam ser úteis para a sociedade
construir um futuro melhor. Aumentos de gastos qualificados em educação são os elementos
portadores desse futuro de prosperidade coletiva. Investimentos em saneamento básico
também ajudam a reduzir gastos na proporção de $1 para $4 nos sistemas hospitalares, além
de serem ambientalmente amigáveis.
Penso sinceramente que a discussão dos royalties deve integrar o grande debate político por
uma reforma tributária ampla e profunda. Esta, por sua vez, demanda uma maior discussão
qualificada no Congresso, pois o seu fatiamento muito provavelmente gerará um jogo de soma
zero na federação. Não devemos olvidar que os estados das regiões CO, NE e NO possuem
mais da metade das cadeiras no Congresso Nacional, porém somam menos da metade da
população brasileira e ainda representam menos de um terço do PIB. Defendo, portanto, que
qualquer proposta racional de divisão dos royalties do petróleo precisa integrar um debate
maior na federação brasileira. Creio não estar sozinho. O poder executivo federal não deve se
omitir nessa discussão, pois ele concentra aproximadamente 70% da arrecadação nacional de
tributos, repassando parte desse bolo para estados e municípios. Por determinação do STF,
precisamos já para 2013 de novos critérios de divisão do Fundo de Participação dos Estados
(FPE). Necessitamos também no curto prazo de uma racionalização dos tributos brasileiros
para que a competitividade da nossa economia não venha a depender recorrentemente de
estímulos pontuais, questionáveis e de baixa eficácia no tempo.
A federação brasileira é historicamente desequilibrada, algo que reflete o seu persistente
estado de subdesenvolvimento. Não há como fugirmos eternamente para frente, driblando os
impasses do momento com o tradicional jeitinho brasileiro. Problemas devem ser enfrentados
no presente em alto nível político. Onde estão mesmo as nossas lideranças? Talvez parte delas
esteja renovando suas ideias e energias para mais uma rodada de articulação de coligações
eleitorais e disputas cosméticas em 2014. Existem esclarecidas exceções nesse complexo jogo,
felizmente. Precisamos que elas se manifestam mais nesse momento.
Dinheiro era para ser sinônimo de solução e não de problemas. Quem perde é a nação.