Não é mais novidade para um razoável observador que diversas instâncias do Poder Executivo têm enormes dificuldades gerenciais. O modelo brasileiro de transição do regime militar para a Nova República converge, em certos aspectos, para a experiência espanhola do Pacto de Moncloa (1977). Tratou-se de algo positivo uma anistia política ampla, porém faltou permitir uma maior investigação histórica que fizesse a sociedade refletir e aprender com o passado.
Políticos que nos envergonham no presente conseguiram fazer aquela transição com relativa tranquilidade porque tinham acumulado recursos financeiros e organizacionais capazes de garantir grandes competitividades eleitorais para si próprios e seus sucessores no novo regime que então se instalava. Seguiu-se com astúcia o personagem aristocrata Tancredi Falconieri do clássico romance de Lampedusa: A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude (Il gattopardo, 1956). O Brasil também apresentou problemas dessa natureza em suas transições de regime político.
São praticamente inegáveis os avanços sociais ocorridos no Brasil, porém um índice Gini acima de 0,50, uma renda média de aproximadamente US$12.000 e uma informalidade no mercado de trabalho girando na casa dos 44% revelam aspectos estruturais do subdesenvolvimento que não foram ainda vencidos entre nós. A instância política e a qualidade do seu jogo devem ser avaliadas criticamente no presente. Consta no livro ‘Introdução à econometria’, de Jeffrey Wooldridge (2002), uma regressão para a Casa dos Representantes dos EUA: gastos de campanha explicam mais de 85% da variação nos resultados eleitorais, ou seja, sucesso ou fracasso. O fenômeno do caixa dois dificulta esses cálculos entre nós, mas sabemos na prática que as barreiras de entrada no jogo político são muito altas. Ademais, os partidos políticos não são abertos a contestações programáticas e os seus quadros dirigentes estão invariavelmente cristalizados nas estruturas organizacionais de poder, algo que fortalece o status quo e dificulta a emergência de novas ideias e lideranças.
Não deveria causar, portanto, maior espanto o fato de ficarmos repetindo impasses e dilemas históricos. Percepções populares já apontam para governabilidades construídas a partir de loteamentos indiscriminados e disfuncionais de cargos públicos em diversas instâncias de poder. Nesse mesmo contexto, pouco parece importar para alguns que a qualidade do jogo político precise melhorar para que o Brasil evolua de forma sustentada em diversas escalas socioeconômicas.
Matéria publicada na edição de nove de fevereiro do ano corrente da revista The Economist, coluna Free exchange, aponta que aproximadamente 50% das diferenças de renda nos EUA e na Grã-Bretanha em uma geração são atribuíveis a diferenças na geração anterior; em sociedades mais igualitárias, a Escandinávia, por exemplo, esse número é inferior a 30% e é bastante comum que uns 70-80% do status social de uma família tendam a ser transmitidos de geração em geração. A conclusão da matéria aponta para uma baixa taxa de mobilidade social, algo surpreendentemente constante em todos os países e épocas.
O passado costuma apresentar heranças. Ainda não vencemos o subdesenvolvimento e as perspectivas de baixo crescimento sustentado, com desindustrialização, não apontam que teremos facilidade pela frente. Não há como negar que estejamos efetivamente vivendo um momento econômico e político difícil no mundo. A política precisará gerar respostas para os impasses do momento e, para tanto, a qualidade do seu jogo precisará melhorar entre nós.
Rodrigo Medeiros (D.Sc.)