OPOSIÇÃO, qual o seu verdadeiro papel nas democracias?

Este mês tivemos a posse do presidente Barack Obama para o seu segundo mandato. Foi uma eleição apertada, difícil. Evidentemente, ele terá desafios importantes a vencer, por exemplo: terminar a guerra do Afeganistão; evitar uma guerra entre Israel e Irã sem permitir que este país tenha armas nucleares; lidar com a primavera árabe que precisará de lideranças fortes para não cair em mãos radicais; resolver como fechar a prisão de Guantánamo; dar uma resposta aos milhares de imigrantes latinos que votaram nele; e, finalmente, terá que resolver o problema da dívida e da economia americanas. Além, é claro de enfrentar a áspera e dura oposição republicana, que não tem facilitado a vida do presidente.

Aqui no Brasil, temos visto na imprensa muita reclamação sobre a fraca atuação de nossos partidos de oposição, que não exploram devidamente o evento do mensalão; que não explicam à população os problemas de nossa economia e de nosso pífio crescimento em 2012; que não examinam vetos presidenciais; que não se manifestam contrariamente a que réus condenados exerçam mandatos públicos; e pouco têm avançado sobre a corrupção, parecendo que têm medo de imergirem no mesmo lamaçal.  

Comenta-se que o governo é imperial, pois governa com base em medidas provisórias e a oposição pouco faz sobre isto. A oposição, por outro lado, não apresenta um plano alternativo de governo ao país, com sua ideologia e suas metas claras e fáceis de serem entendidas pela sociedade. Nem sequer defende a parte boa de seu legado durante o período no qual foi governo.

Diferentemente, lá nos Estados Unidos os republicanos têm buscado, bem ou mal, representar os eleitores que neles votaram pensando em ter menos estado, menos gastos por parte do governo, menos impostos, melhorias na economia, aumento do emprego, redução da dívida. Aliás, foi esse o discurso apresentado por seu candidato à presidente.

Esses eleitores republicanos encontraram sua voz na Câmara dos Deputados, onde o partido tem maioria. E essa mesma Câmara defendeu tais idéias durante as negociações do abismo fiscal e, com certeza, o fará na discussão do aumento da dívida e do orçamento de 2013. E o que há de errado nisso?  

Evidentemente que os democratas também defendem seus eleitores, que elegeram o presidente e a maioria no Senado pensando em decisões que favoreçam a classe média e taxem os mais ricos; que tenham uma assistência médica melhor e tantos outros benefícios sociais tipo os praticados na Europa. O que há de errado nisso também? Afinal, foram as promessas de campanha do presidente e de seu partido.  

Dado o grau desse confronto de ideias nos EUA, que tem sido duríssimo, aqui no Brasil temos lido e ouvido comentários de que os republicanos são fascistas, insensíveis e malucos, numa critica que, a meu ver, não leva em conta os milhões de eleitores americanos que votaram nesses deputados que estão apenas sendo coerentes e respeitosos com seu público, ainda que se mostrem duros na queda.

Serão os republicamos tão radicais assim?  

Quase que diariamente, tenho lido e ouvido os dois lados no sentido de formar minha própria opinião. E o que vejo é um forte debate entre os que acreditam em um estado forte e protetor e os que pensam num estado menor e regulador. Claro que no meio do embate existem as paixões e as emoções, pois são assuntos que dizem respeito às pessoas.  

Vejo republicanos que são contra a evolução de Darwin; vejo democratas que veem virtudes na maconha; vejo republicanos afirmando que Obama não tem experiência, liderança, e age como imperador; e vejo democratas sugerindo que Obama deva explodir e acabar com os republicanos. Obviamente são minorias, mas que, por seu jeito radical de ver as coisas, têm seus discursos bombásticos repetidos pela mídia. Felizmente, essas minorias não têm representação forte no Congresso, tanto que o abismo fiscal não ocorreu, o teto da dívida será aumentado, o programa de imigração está passando e o orçamento será aprovado. Não será feito através de jeitinhos e conchavos, mas sim resultado de uma forte negociação que de fato levou em conta soluções de longo prazo para resolver as questões fundamentais da economia. Está claro que existem radicais nos dois lados, com seus lobistas e suas forças sociais, com ambições de poder e com programas diferentes. Existe uma divisão de visões nos EUA, mas o que fica de mais importante nessa discussão é que os dois lados, apesar de suas fortes diferenças e pensamentos, querem o bem de seu país. Desta forma, se unem na hora do risco maior, como temos visto ao longo de sua história. Aliás, uma história de sucesso, progresso e liderança.

Chegamos a ouvir sugestões de que os americanos deveriam ter, como aqui, seu “partido centrista” e, portanto, solucionador de conflitos. Mas será que só para evitar conflitos e não ter a pecha de radicais é válido aprovar tudo o que vem do governo (via medidas provisórias ou outros artifícios) sem que haja, contudo, uma análise mais profunda sobre o que está sendo aprovado? Será que esse tipo de atuação partidária é o melhor para a sociedade e para o país? O papel do Congresso não é justamente o de legislar e fiscalizar o executivo?

O importante para o Brasil é termos uma oposição que de fato se oponha, que discuta os projetos apresentados, que tenha propostas coerentes e que represente seus eleitores com responsabilidade. Afinal, o que vale é o resultado maior e melhor para o país e a sociedade, e que deveria estar acima das questões ou diferenças partidárias.

Relembrando a era FHC, havia oposição forte, e acho que ela ajudou o governo a errar menos e ser mais produtivo e eficiente. Interessante que quando tivemos por 8 anos essa aguerrida oposição ao governo, ela não foi chamada de fascista, truculenta, radical etc., e era bastante ouvida e bem recebida por grande parte da opinião pública, que mais tarde votou e a elegeu como sua nova liderança no governo.

Um exemplo claro de que quem votou na oposição naquela época ouviu suas críticas, suas propostas, seus debates e um projeto diferente para governar o país. Pode-se até discutir se aquela oposição, com sua forma de agir, trouxe ou não prejuízos ao país e se, posteriormente, seu projeto de governo foi melhor ou pior do que o anterior. O fato é que seu comportamento, enquanto oposição, lhe posicionou como uma alternativa vencedora de poder para a sociedade.

Por isso fico confuso quando reclamamos da baixa agressividade e capacidade de luta de nossa atual oposição, no que concordo, mas por outro lado criticamos fortemente a oposição americana por estar cumprindo o seu papel, ainda que agressivo. Num passado recente aplaudíamos a dura oposição que foi feita ao governo FHC, mesmo quando essa era contrária a fatos comprovadamente acertados, como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as privatizações e tantos outros temas.

Aí fica um convite à reflexão: nas boas democracias, qual o real papel da oposição? É um direito e um dever constitucional ou uma benesse de quem está no poder? Qual deve ser o seu comportamento? Até onde o politicamente correto favorece mais ao governo? O eleito pela oposição tem mais ou menos legitimidade que os eleitos pelos governantes da vez? Por que ao tribuno mais manso e eloquente é dada mais credibilidade do que ao mais agressivo e direto, ainda que este esteja com a verdade e aquele a subtraia? Por que simpatizamos mais com a cooptação, em vez do debate que traga melhores soluções? Será que uma oposição mansa e cooptadora terá chances de chegar ao poder? Como o eleitor poderá ver no congresso seus representantes de fato ajudando a corrigir erros e problemas do executivo? Qual oposição representa melhor seu papel, a da era FHC, a dos republicanos nos Estados Unidos ou a atual do Brasil, da Venezuela e de tantos outros países de nossa América Latina? Uma oposição ativa contribui para as liberdades tão necessárias à democracia? Uma oposição fraca não diminui a democracia e a põe em risco? Focando em objetivos institucionais, o debate claro e transparente, ainda que agressivo ou acalorado, não é melhor que a imposição ou negociações duvidosas?

Uma coisa pelo menos é visível: as oposições mais fortes sempre chegaram ao poder, tanto aqui como lá. E a alternância de ideias, de pessoas, de programas diferentes, enfim, de liberdade, tem mostrado uma alta correlação com o desenvolvimento dos países que a praticam e lhe deram um grande status civilizatório. Já as oposições mais mansas, ou mesmo a ausência delas, tem ajudado a perpetuar no poder líderes populistas, messiânicos e até tirânicos, quase sempre atrasando o desenvolvimento de suas sociedades.  

E nessas sociedades, as liberdades geralmente são manipuladas e restringidas. E a liberdade só se consolida de fato se for baseada na diversificação e na descentralização do poder na sociedade. Não pode se basear na libertação e nem na coletivização. A liberdade se enfraquece sempre que um interesse ou uma combinação de interesses, mesmo que de uma maioria, obtém poder extraordinário. As maiorias não podem esmagar as minorias, ainda que tais maiorias tenham sido eleitas pelo povo, pois a democracia é muito mais do que apenas a instituição das eleições.  

Por isso, para haver o debate das ideias, garantia da liberdade de pensamentos e de imprensa e proteção às minorias, é fundamental que a oposição exerça seu verdadeiro papel nas Democracias.  

Boa reflexão a todos.  

Carlos Aguiar

Um comentário em “OPOSIÇÃO, qual o seu verdadeiro papel nas democracias?”

  1. Carlos Aguiar,
    Ótimo texto para reflexão. Depois que inventam o politicamente correto acho que a política e seus atores foram para uma vala comum.
    Você aproveita o carnaval e coloca cor e letra no samba de uma nota só. Que motive para um inicio de ano mais criativo e produtivo.
    Vamos torcer para esse samba tocar o coração e as mentes
    Ab.
    Fernando Machado

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