As ruas de diversas cidades brasileiras foram tomadas nos últimos dias por protestos sociais enquanto alguns atores políticos observavam de longe estarrecidos as emergentes insatisfações heterogêneas. Os reclames são diversos e perpassam as variadas mazelas do descaso político. A crise da representação está imersa nessas marchas populares, inclusive nos seus momentos reprováveis de violência. Em um perigoso contexto de crise da política partidária, há quem perceba riscos institucionais de rupturas.
Estive relendo no final de semana o livro Pensando a Revolução Francesa, de François Furet (Paz e Terra, 1989). Não estou sugerindo neste espaço que os paralelos históricos sejam equivalentes, porém creio ser curioso encontrar algumas questões instigantes nesse texto. Vejamos uma passagem: Se a Revolução Francesa vive, (…) trata-se de saber quem representa o povo, ou a igualdade, ou a nação: é a capacidade de ocupar essa posição simbólica, e de conservá-la, que define a vitória. Onde estão as lideranças brasileiras ou de onde a renovação política emergirá entre nós? O deslocamento do poder, segundo Furet, é nítido na Revolução e não houve como escapar da revanche da sociedade real contra a política: Como vontade do povo, a conspiração [aristocrática] é um delírio sobre o poder; eles compõem as duas faces do que poderíamos chamar o imaginário democrático do poder.
Para quem procurou acreditar na tese do fim da história, os tempos atuais não poderiam ser mais assustadores. O ano de 1789 abriu um período de larga deriva na história humana, pois a Revolução havia inventado um discurso político que nos assombraria desde então liberdade, igualdade e fraternidade. Algumas questões sociais podem até ficar adormecidas por longos períodos, mas o seu retorno vem se mostrando recorrente. Ele não ocorre na mesma moldura, porém a grande insatisfação com o funcionamento precário dos serviços públicos em nosso país deveria ser analisada criticamente em suas diversas dimensões humanas e históricas. Ademais, sinais de mercado já apontam para um fim do ciclo de bonança externa das commodities, algo muito preocupante para quem possui aproximadamente 70% das suas exportações de bens enquadradas nessa categoria. Conquistas sociais podem ser colocadas em xeque logo adiante.
Devemos ainda ter fé em certos atores que nos levaram ao colapso da crise de representação política e que esses mesmos teriam condições morais de resolver as questões levantadas pelos protestos nas ruas? Após um quarto de século da redemocratização política, seria ingênuo acreditarmos que alguns políticos enfrentarão os nossos problemas estruturais. Não creio que essa seja uma questão clássica do tipo governo versus oposição, mas sempre se poderá dizer que existem as honrosas exceções no jogo político. Penso, nesse sentido, não ser muito fácil argumentar convincentemente por exceções nesses confusos tempos de turbulências sociais. Precisamos o quanto antes possível de uma efetiva renovação institucional em alto nível na cultura política brasileira e que os partidos filtrem os discursos das ruas.
Rodrigo Medeiros é professor do Ifes