Estive lendo recentemente o interessante trabalho Tributação: insuficiente reformar, necessário novo sistema, de José Roberto Afonso e Kleber Castro. Chamou minha atenção os números apresentados pelos autores e como os mesmos acabam ressaltando a iniquidade do caráter regressivo da tributação brasileira. Há algumas reflexões instigantes que o texto nos propõe.
Do ponto de vista das contribuições previdenciárias e do imposto de renda, apontam os autores: Os integrantes da faixa até 3 salários mínimos chegaram, em 2009, a mais de 80% do universo de contribuições previdenciárias, ao passo que em 1988 esse contingente fora de 21%. Isso significa que o crescimento do mercado de trabalho no Brasil está englobando cada vez mais trabalhadores de baixa renda, reduzindo os de renda mais elevada. O fenômeno da desindustrialização prematura explicaria parte considerável dessa questão. Números da Receita Federal do Brasil (2012), por sua vez, mostram que a quantidade de proprietários de empresa chegou a quase 5 milhões, com arrecadação de R$6,2 bilhões, enquanto as declarações de empregados de empresas do setor privado totalizaram 5,7 milhões, com arrecadação de R$22 bilhões. A média de arrecadação dos empresários foi três vezes menor do que a média dos trabalhadores.
O governo federal optou recentemente por uma reforma fatiada com foco no ICMS. Os incentivos fiscais das unidades federativas foram atacados por estarem em dissonâncias com as envelhecidas regras do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), ainda que este mesmo modelo centralizador tenha se mostrado um fracasso no que diz respeito às políticas de desenvolvimento regional no Brasil. Nesse sentido, o funcionamento do Confaz, incluindo as suas atribuições e competências institucionais, pode muito bem ser objeto de reforma pelo Congresso Nacional.
Uma proposta geral de simplificação do sistema tributário é apresentada por José Roberto Afonso e Kleber Castro: concentrar as competências de tributos que gravam a renda, os lucros, o comércio exterior e a folha salarial na União; as que incidem sobre o mercado doméstico de produtos e serviços, nos estados; e as relativas à propriedade imobiliária, nos municípios. O fato de um governo centralizar a cobrança e a fiscalização do imposto não significa que a receita lhe pertença integralmente. Os autores apresentam o conceito de um IVA nacional, algo que, por sua vez, mataria as alíquotas interestaduais do ICMS e concentraria poder na definição de alíquotas para bens e serviços no governo federal. Tenho sérias dúvidas se esse caminho seria realmente desejado no âmbito da nossa federação porque a histórica concentração geográfica dos investimentos poderia ser reforçada.
Penso que teria um caráter mais descentralizador e democrático uma reforma do Confaz, estipulando-se as regras institucionais do jogo com a participação das unidades federativas e transformando-o, portanto, em um órgão regulador da concessão de incentivos estaduais. Os autores do trabalho falam ainda da necessidade de um fundo de compensações para evitar eventuais perdas fiscais provocadas pelo IVA nacional. Neste ponto, as incertezas crescem exponencialmente para as unidades federativas porque a experiência da Lei Kandir (1996) é muito recente. Há desconfiança difusa quanto ao tema e a crise de convicções do que queremos efetivamente como país integra inclusive o imbróglio tributário presente.
Rodrigo Medeiros é professor do Ifes
Com relação à questão tributária, alguns pontos de vista, talvez complementares:
Primeiro: poderíamos resumir as dezenas de tributos, taxas e contribuições que o sistema tributário brasileiro em geral possui para um número entre cinco e dez, apenas variando a tributação dependendo do que seria o alvo da cobrança;
Segundo: o modelo proposto por Afonso e Castro é interessante, mas faria algumas mudanças: somente os tributos sobre renda e comércio exterior seriam competências da União, lucros, folha salarial e mercado doméstico nos estados e às relativas a imóveis nos municípios.
Terceiro: para que o segundo item funcione, é necessário um novo pacto federativo, que tire da União boa parte da concentração dos recursos, passando isso aos estados. Inclusive sou a favor da concorrência entre estados, tanto em aspectos de tributação como até mesmo na questão do salário mínimo, que poderia variar de estado para estado.