Faltou pouco para o Congresso tomar uma decisão histórica e reconhecer que, no Brasil do século 21, não existe mais qualquer espaço para o voto secreto no Legislativo. Sem meio termo, sem exceções. O voto de deputados e senadores deveria ser aberto não só para as propostas legislativas, cassações e vetos, mas também para indicações de autoridades e eleição das mesas diretoras. Para tudo, enfim.
Tínhamos uma escolha pela frente: olhar para o retrovisor da história ou para o para-brisa, para o futuro; olhar para o Brasil mergulhado nas sombras da ditadura ou para o Brasil iluminado pelas liberdades democráticas. Um Brasil em que a transparência já se impõe como regra e em que o cidadão começa a ter, enfim, a exata consciência do poder a ele atribuído por força constitucional.
Nossa Constituição foi forjada na luta contra o arbítrio, e faz sentido que os constituintes, calejados pela memória recente da ditadura, tenham insistido no sigilo do voto parlamentar o voto aberto foi instrumento amplamente usado durante a repressão para intimidar o Legislativo.
Mas até quando vamos viver assombrados pelo fantasma da repressão e do autoritarismo? Pior: até quando as sombras da ditadura vão continuar sendo usadas como biombo para esconder negociações duvidosas, posições contraditórias e quebras de promessas de campanha?
O voto secreto é direito do eleitor, não de seus representantes. Não somos donos do nosso mandato; ele pertence a quem nos elegeu. Chega a ser óbvio dizer que temos obrigação de dar plena satisfação de todos os nossos votos.
Quanto à independência em relação ao governo federal, é bom destacar que o voto secreto não tem impedido o Congresso de se manter submisso a um Executivo que vem legislando a torto e a direito, por meio de medidas provisórias. Nem tem impedido que a regra geral seja a manutenção dos vetos presidenciais e a aprovação das autoridades indicadas pela Presidência.
O argumento de que o voto aberto tornaria impossível a derrubada de um veto presidencial felizmente não convenceu. Até porque já tivemos recentemente alguns vetos derrubados com o voto secreto – poucos, é verdade, mas tivemos.
Embora já não faça mais sentido falar em pressão ideológica por parte do Executivo, é inegável que existem pressões motivadas por interesses políticos ou econômicos. Mas, se na ditadura havia o risco de perseguição política em caso de discordância com o poder central, a que tipo de retaliação estamos sujeitos nos dias de hoje?
Falo de retaliações à luz do dia, não do jogo político pequeno, que envolve fisiologismo, negociações duvidosas.
Quanto à barganha vergonhosa em torno da liberação de recursos das emendas ao Orçamento da União, esse é um mal que cortamos pela raiz, ao aprovar o orçamento impositivo. Com a obrigatoriedade da execução das emendas parlamentares individuais, demos um basta a esse tipo de chantagem política e construímos a base que faltava para acabar com o voto secreto no Legislativo.
A transparência é o único caminho para que o eleitor esteja seguro de que nosso discurso e nossa prática seguem na mesma direção. Ela também abre caminho para nos alinharmos com um novo tempo, em que os brasileiros já conquistaram o direito de acesso a todas as informações públicas, o direito de olhar o passado de frente, com a Comissão da Verdade, e de barrar representantes de passado duvidoso, com a Lei da Ficha Limpa.
Numa época em que se alardeia, no mundo todo, a crise da democracia representativa, é preciso estreitar e revigorar os laços entre representantes e representados. E a transparência na prestação de conta dos políticos é um passo fundamental nesse sentido.
O filósofo inglês Jeremy Benham já ensinava, no século 18, que surpresa e segredo são as fontes da desonestidade, do medo e da ambição injusta, associada à fraqueza.
Ainda não foi dessa vez que o Legislativo aprendeu por completo a lição de casa ou deixou de olhar pelo retrovisor da história. Mas já andamos um bom caminho e o para-brisa nunca esteve tão visível.
*Senador pelo PMDB/ES