“A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal entendido.”
(Sérgio Buarque de Holanda)
Considerando que as grandes transformações não ocorrem do dia para a noite, o ano de 2013 ainda pode entrar para a história como aquele que em que os brasileiros iniciaram uma grande virada no papel das instituições políticas, criando uma nova forma de participação popular e estabelecendo as bases de uma democracia genuína que tomará o lugar do atual modelo que privilegia os poderosos, os oportunistas e os corruptos. Com uma boa dose de otimismo as manifestações ocorridas em 2013 podem ser avaliadas como o prenúncio de uma transformação grandiosa e lenta que passaremos a assistir nos anos vindouros. Por outro lado, seu grande momento, parece ter sido curto demais para tantas reivindicações.
Após as centenas de manifestações, com suas milhares de reivindicações há muito reprimidas, 2013 chega ao fim com uma cara parecida com a de seu início. O clamor popular esfriou, a revolta não se sustentou e a letargia parece tomar conta da população que em grande parte volta a ser manipulada às vésperas de mais um ano eleitoral pelos tentáculos da máquina pública ávida pela renovação de seu poder após o duro golpe sofrido pelas intensas cobranças populares que, com muito vigor, a fizeram cambalear por um momento.
É preciso preservar a noção de cidadania e concentrar esforços para exercermos o voto em 2014 de forma a mudar o cenário que trouxe tanta insatisfação pública neste ano. Outro ponto importante para exercitarmos nossos deveres cidadãos está num evento de grandes proporções como a copa do mundo, que merece ainda mais atenção no tocante aos gastos públicos realizados. Para tanto há mecanismos ao alcance do cidadão, como a Articulação Brasileira Contra a Corrupção e Impunidade (ABRACCI) que criou comitês específicos para acompanhamento de tais gastos.
Ao observarmos as velhas práticas arraigadas em nossa cultura, percebemos que os políticos e representantes de instituições públicas não entenderam ou, o que parece mais assertivo, simplesmente ignoram e não querem entender a vontade pública como norteador de suas ações. Os prefeitos e vereadores eleitos em 2012 tiveram em sua maioria, salvo raríssimas exceções, um primeiro ano de mandato apático, de minúsculas realizações e de velhos problemas estruturais que tornam a simples tarefa diária de chegar ao trabalho um desafio para o cidadão comum. As promessas de campanha, como sempre, se revelaram infactíveis seja por falta de vontade ou por outros interesses não prioritários para a população e que atendem apenas a uma minoria poderosa.
O desperdício e o excesso de artimanhas para elevar os ganhos pessoais de vereadores também fizeram parte de algumas câmaras municipais em 2013, como nos casos amplamente noticiados pela mídia em que vereadores e servidores receberam diárias para treinamentos de pouca ou nenhuma relevância para o exercício de suas atividades e os quais se configuram uma forma de renda extra às custas do dinheiro público.
O governo do estado também não avançou em suas principais prioridades. Os índices de segurança que colocam o Espírito Santo como o segundo estado que mais se mata jovens e o segundo mais violento da federação evoluem timidamente e, apesar da redução dos números, o estado piorou de 91% para 70% a qualidade dos dados encaminhados ao Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública (SINESP), o que na prática vai de encontro ao clamor por transparência e não é capaz de proporcionar a sensação de tranquilidade mínima desejada pela população. A mobilidade urbana – com promessas fantasiosas divulgadas mensalmente pela propaganda governamental – de novos acessos à capital, aquaviários e investimentos na qualidade das rodovias estaduais continua sendo um entrave ao estado e se junta ao descaso do governo federal com a infraestrutura de nossos gargalos logísticos que tornam o Espírito Santo um estado desinteressante para investimentos que se sustentem no longo prazo.
Houve avanços do portal da transparência do estado, que possui iniciativas premiadas nacionalmente e caminha para o diálogo franco desejado pelos contribuintes, mas a lei de acesso à informação ainda continua sendo descumprida pelos municípios que contam com a conivência do governo para postergar a implementação das regras. Órgãos governamentais seguem na mesma linha, dificultando ou simplesmente ignorando os pedidos de informações feitos nos termos da lei. É preciso, portanto, seja na esfera estadual ou municipal, executar o que prevê a lei Nº 12.527 de 2011 e cumpri-la em sua totalidade de maneira acessível a qualquer cidadão e nos prazos estabelecidos.
O Tribunal de Justiça também caminhou a passos lentos em sua intenção de modernizar e agilizar o judiciário capixaba. Não foi possível perceber grandes avanços prometidos pela atual presidência que chegou ao comando do tribunal com pompas de salvação da pátria, mas chega ao final da gestão enfrentando velhos problemas como a conhecida morosidade da justiça, o aumento de gastos com pessoal e diminuição da produtividade dos magistrados, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que apontou em relatórios a redução da carga de trabalho dos juízes e o aumento da taxa de congestionamento dos processos. A agilidade individual de alguns juízes foi o único instrumento efetivo que se destacou numa esfera pública que ainda contribui para aumentar o abismo social entre os direitos dos mais pobres e os que possuem maior acesso aos recursos jurídicos. A falta de transparência do poder judiciário continua sendo elevada e cria um ambiente propício aos desmandos de pequenos grupos com interesses escusos. Ou revelamos abertamente dados sobre produtividade, gastos públicos e atos oficiais em cumprimento à lei ou estaremos fadados a um poder público distante e inalcançável ao cidadão comum.
O Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa do estado, por sua vez, foram responsáveis por mais um escandaloso e lamentável episódio de fisiologismo e desprezo pela população a quem deveria representar. Após o clamor popular por moralização do legislativo, decidiram de forma autoritária e obscura indicar para o cargo de conselheiro daquele órgão, responsável pela fiscalização dos atos do executivo, um deputado estadual condenado em segunda instância por improbidade administrativa, algo impensável numa democracia séria entre parlamentares respeitáveis. Também é preciso, na esfera dos cargos eletivos, coibir a prática do aproveitamento, em cargos importantes, de lideranças políticas defenestradas pela população nas eleições (e com pendências judiciais). Se não foram eleitos democraticamente ou possuem impedimentos legais para cargos eletivos, seria igualmente importante que não ocupassem cargos comissionados em quadros técnicos de elevada responsabilidade.
Para esses que insistem em ignorar a população e frequentemente confundem aquilo que é público com sua propriedade particular não há outra solução a não ser extirpá-los da vida pública através do voto consciente, sem troca de favores. Mantenhamos ainda as esperanças nas instituições de controle e seus diversos instrumentos a serviço da população como a lei de acesso à informação, a Lei da Ficha Limpa, os conselhos, o Ministério Público e toda a liberdade para exercermos nossa cidadania a fim de que 2014 seja como exigimos nas ruas com nossos cartazes em 2013.
Transparência Capixaba
“Contra a corrupção, a favor do Espírito Santo”