O escritor francês Antoine de Rivarol (1753-1801) decretou que “o mais difícil em tempos conturbados não é cumprir o dever, mas identificá-lo”. Estamos em plena crise e ainda não temos claro qual o nosso dever de casa para sairmos da turbulência e provermos o ambiente em que viceje uma nova realidade.
Ninguém duvida de que a reorganização das contas públicas é fundamental para a governabilidade e, antes de tudo, para o desenvolvimento socioeconômico sustentado.
No saudável debate qualificado em torno da atual crise, temos aqueles que defendem o ajuste fiscal como a melhor saída para o reequilíbrio das contas públicas. Há, ainda, os que priorizam uma melhora na gestão como forma de reorganizar a base financeiro-orçamentária do setor público.
Essa discussão acerca de alternativas à superação da crise mostra bem a validade e atualidade do pensamento de Rivarol. No entanto, das opções arroladas, protagonistas dos principais debates atuais, não escolho uma; fico com as duas. O Brasil precisa de um ajuste fiscal profundo e também de uma revolucionária atualização da gestão pública.
É preciso promover uma reforma fiscal ampla e significativa, que dê conta das necessidades mais urgentes do ajuste, mas que, também discutindo a questão previdenciária, esteja essencialmente focada na revisão estratégica e na redução dos gastos públicos.
A modernização da gestão pública é crucial para tirar o Brasil da crise e viabilizar de forma efetiva um novo país. Estamos enredados numa malha administrativa e gerencial obsoleta, rígida e excessivamente burocratizada, que privilegia os processos e não os fins na administração pública.
Isso é nefasto e perverso, pois nega a essência do serviço público, que é servir ao cidadão e não especialmente à máquina governativa. O rebaixamento da nota de crédito do Brasil por agências internacionais tem muito o peso desse brutal descontrole a que assistimos, dessa desorganização política que estamos vivendo.
No Espírito Santo, desde o primeiro dia de nosso mandato, estamos enfrentando a crise basicamente com a depuração modernizante da gestão. Além de mirar nesses dois grandes campos de batalha, é tarefa inadiável dar especial atenção aos setores que podem nos ajudar a sair do olho do furacão, garantindo empregos, geração de renda e um fôlego maior à arrecadação.
São eles o comércio exterior, potencialmente beneficiado com a valorização do dólar frente ao real; as concessões e parcerias público-privadas, atraindo recursos dos empreendedores nacionais e estrangeiros; o agronegócio, setor em que o país alcançou excelência em pesquisa e desenvolvimento; e o segmento de petróleo e gás, a partir da atualização de seu marco regulatório.
O debate com foco na superação da crise, além de nos poder legar uma saída da tormenta, tem outro efeito positivo, que é a reflexão sobre os descaminhos que nos trouxeram até ela e, ato contínuo, a discussão sobre a rota que nos levará em direção a um outro patamar histórico para a nação.
Voltando a Rivarol, a tarefa mais importante por ora –em verdade, a que já deveria ter sido cumprida–, é decidir o que fazer. Fixada a missão, é o caso de trabalharmos incansavelmente por meio de uma rede colaborativa em favor do Brasil e dos brasileiros.
E mais: devido à complexa crise atual, diria que tão difícil quanto definir o que fazer é executar o que ficar decidido como tarefa. Mas não temos um outro caminho, se queremos um outro Brasil.
Paulo Hartung (PMDB) é governador do Espírito Santo
>> Artigo original publicado no jornal Folha de São Paulo