Texto: Rafael Miguel Delfino – Conselheiro da Defensoria Pública/ES
São objetivos da instituição a prevalência e a efetividade dos direitos humanos e a primazia da dignidade da pessoa humana, e são funções institucionais da Defensoria Pública promover a difusão e conscientização dos direitos humanos, prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados.
Isso significa, em primeiro lugar, que é papel da Defensoria Pública, na qualidade de mediador natural de conflitos, difundir e conscientizar principalmente o governo e a polícia, inclusive por meio de comunicações oficiais, de que a prioridade deve ser a segurança, direito humano fundamental.
Para tanto, deve a instituição, em suas manifestações, fomentar o restauro da relação entre governo e polícia, contribuir para a criação de um contexto colaborativo, no qual todos ganham (em substituição ao contexto adversarial no qual eles se encontram imergidos, onde ambos podem perder), bem como provocar a busca por soluções de benefício mútuo, auxiliando as partes a manter o olhar voltado para o futuro.
A propósito, existem várias ferramentas de comunicação não violenta e técnicas de negociação colaborativa que estão sendo totalmente desprezadas pelas partes, mas que deve permear os discursos da Defensoria Pública, enquanto instituição que visa a afirmação do Estado Democrático de Direito e, com isso, evitar conflitos e buscar, sempre que possível, a paz.
Facilmente perceptível, a Defensoria deve se abster de sugerir solução para qualquer das partes. Não é a sua missão. Isto porque, trata-se de uma instituição erigida constitucionalmente, autônoma, e que não está a serviço do governador, tampouco da polícia, mas, sim, da sociedade, e somente a ela deve satisfação.
A Defensoria detém a responsabilidade de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, colaborando com o amadurecimento da sociedade!
De outro lado, a segurança é um direito humano, conforme já anunciado, e qualquer pessoa, portanto, pode ter a sua dignidade vulnerada por conta da falta desse serviço, compreendendo-se a falta como inexistência, mal funcionamento ou retardamento do serviço público.
Vejamos alguns exemplos:
1) Uma mulher candidata a vereadora saqueia grande loja de departamentos e outras duas mulheres observam a cena e, diante da falta de policiamento ostensivo, resolvem fazer justiça social, espancando-lhe e produzindo-lhe danos estéticos (irreversíveis);
2) Um homem, arrimo de família, apesar da falta de policiamento ostensivo, vai à padaria comprar pão no melhor estilo Power Ranger, mas não consegue se esquivar de uma bala perdida que acerta o seu coração e ceifa a sua vida;
3) Um soldado da PM adere ao movimento paredista e, mesmo devendo e podendo (porque a sua esposa não estava naquele momento criando obstáculos), nada faz para evitar a morte de uma pessoa que é assassinada na sua frente;
4) Um policial de uma pequena cidade do interior, ainda em estágio probatório, não adere ao movimento paredista, porque solteiro, e desenvolve o seu trabalho normalmente durante o caos, mas o Estado mesmo assim o exonera do cargo;
Em todos esses casos, se presente a vulnerabilidade econômica, é papel da Defensoria Pública a defesa da pessoa humana, seja ela civil ou militar, desviante ou não desviante.
No caso da mulher desviante do exemplo 1, a Defensoria poderá promover, além da sua defesa criminal, uma ação de indenização por danos estéticos contra o Estado, pois decorrentes da falta da segurança pública (ainda neste exemplo, poderá a instituição, também, defender criminalmente aquelas mulheres que se consideravam não desviantes, mas que fizeram justiça com as próprias mãos).
No caso do homem não desviante que veio a óbito (exemplo 2), a Defensoria Pública poderá patrocinar em favor da família do falecido uma ação de indenização por danos materiais e morais, para que o estado compense financeiramente a dor e pensione eventuais dependentes seus, por meio do pagamento de alimentos.
Na hipótese do policial desviante do exemplo 3, caso o mesmo seja processado pela prática do crime de homicídio, a Defensoria Pública poderá patrocinar a sua defesa criminal em todos os graus, além de sua defesa administrativa, junto à sua corregedoria, e civil, no caso de sofrer ação de improbidade.
Na situação do policial não desviante (exemplo 4), a Defensoria Pública poderá buscar administrativa e judicialmente a anulação da sua demissão e a sua reintegração, o seu retorno ao cargo público, com o ressarcimento de todas as vantagens que deixou de receber durante o período em que esteve afastado.
Diante de tudo o que estamos vivenciando, são infinitas as possibilidades de atuação da Defensoria Pública, enquanto instituição vocacionada à tutela dos direitos individuais e coletivos.
Pode-se falar, ainda, no ajuizamento, pela instituição, de Ação Civil Pública para reparação do dano moral coletivo amargado pela sociedade espírito-santense… e por que não?
Afinal de contas, a meu sentir, a situação pela qual todos os capixabas atravessam atualmente é totalmente atalhadora da dignidade humana, não se constituindo mero dissabor da vida em sociedade. Definitivamente, não!
A falta de segurança pública tem produzido intensa dor, sofrimento, tristeza, aflição, angústia, desequilíbrio no bem-estar dos capixabas. Está ínsito na própria ofensa produzida, decorre da gravidade da falta de segurança pública em si.
Estes foram apenas alguns exemplos reveladores da magnitude da instituição da qual tenho orgulho de fazer parte na condição de Defensor Público.
A Defensoria Pública defende, para além de pessoas, valores constitucionalmente assegurados.
Esse é o seu verdadeiro papel.