Por Rodrigo Medeiros
De acordo com as últimas pesquisas da consultoria Ipsos, a percepção de que o Brasil não está no caminho certo atingiu o maior nível já alcançado, superando o recorde anterior registrado durante os últimos meses do governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Para 95%, o Brasil segue no rumo errado. Há outras dimensões da crise que pretendo explorar sucintamente.
Segundo apontam os recentes números compostos da Markit Economics, sobre o índice gerentes de compras (PMI, em inglês), a economia brasileira está estagnada. Em síntese, a crescente preocupação das empresas em relação a questões políticas, a instabilidades institucionais, a fragilidades da demanda e adversas condições de mercado resultou no menor nível de confiança desde março de 2016. O desemprego elevado persiste e a população se mostra bem desconfiada do pacote reformista proposto.
Complexo e muito desigual, o Brasil possui um grande potencial. No entanto, o fim do ciclo de crescimento baseado em commodities, consumo e crédito demanda ajustamentos condizentes com o país melhor que um dia desejamos efetivamente ser. A desindustrialização precoce, desde meados dos anos 1980, afetou o fôlego da economia e suas possibilidades de desenvolvimento. Entre a especialização em atividades malthusianas (naturais e de retornos decrescentes de escala) ou schumpeterianas (construídas socialmente e de retornos crescentes), há perceptíveis diferenças nas riquezas das nações. Nesse sentido, é preciso cuidado para que o Brasil não fique preso na armadilha da especialização em ser pobre e muito desigual.
O processo brasileiro de desindustrialização prematura, compreendido como as perdas relativas de empregos da indústria de transformação e de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), é claro desde meados dos anos 1980. A partir de 1994, com o recorrente uso do câmbio para combater a inflação, vem ocorrendo a perda de sofisticação da nossa pauta exportadora. No instigante livro de Erik Reinert, “Como os países ricos ficaram ricos… e por que os países pobres continuam pobres”, editado pela Contraponto, há uma profunda discussão sobre o processo histórico de desenvolvimento. Cobrindo um período de cerca de quinhentos anos de reflexões e estudos econômicos, Reinert sintetiza: “países pobres tendem a se especializar em atividades que os países ricos não podem mais automatizar ou nas quais não há possibilidade de realizar inovações. Em seguida são criticados por não inovarem o bastante”. As políticas neoliberais são muito ruins para os países de renda média, pois elas os impedem de emparelhar com os países desenvolvidos.
Erik Reinert compara o Consenso de Washington (1989) com os planos Morgenthau e Marshall, do pós-guerra. Paralelos entre o Plano Morgenthau, que visava desindustrializar a Alemanha, e o Consenso de Washington, cuja orientação é pelo alinhamento de preços, deveriam ter causado maior preocupação com o desenvolvimento brasileiro. Afinal, a efetiva recuperação europeia se processou sob o Plano Marshall, que ajudou a industrializar os países arrasados pela guerra. O Brasil abraçou a austeridade fiscal, a partir de profundos cortes nos investimentos públicos, em decorrência da grave recessão iniciada em meados de 2014. Os aspectos estruturais, como a desindustrialização precoce e a acomodação de trabalhadores em atividades econômicas de baixa produtividade, não foram considerados nos tons dos “ajustes” macroeconômicos.
Após a crise financeira de 1929, a década que se seguiu foi de lições para muitos estudiosos. De certa maneira, revivemos certos aspectos daqueles dilemas com o estouro da crise global de 2008, após a queda do Lehman Brothers. A resposta inicial conjunta de muitos países à crise foi no sentido de manter o nível da demanda agregada e evitar os efeitos adversos nos empregos e na produção. O receituário keynesiano recomendava o investimento público em infraestrutura, por exemplo, como remédio eficaz para a recuperação da economia. Merece destaque o fato de que a forte queda dos preços internacionais das commodities e a Operação Lava Jato coincidem com o início da recessão brasileira.
Foram dois anos muito duros para a maioria dos capixabas, 2015 e 2016, e não há sinal de retomada firme e sustentada da economia. As receitas dos municípios capixabas retrocederam ao patamar de 2010 e os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, confirmam as dificuldades de uma retomada vigorosa. Outro aspecto que merece destaque no empobrecimento geral brasileiro diz respeito àquilo que os economistas e pesquisadores Cassiolato e Lastres identificaram como um excesso de capacidade produtiva mundial. Essa questão merece reflexões no Espírito Santo para além dos solilóquios montados para exaltar “as virtudes” pessoais de alguns poucos. Vaidade, arrogância e personalismo de lideranças não nos levarão muito adiante em terras capixabas.
Em um artigo publicado sobre os dilemas da indústria e da inovação, os pesquisadores afirmam que “com poucas exceções, a competitividade brasileira é forte somente em atividades ligadas a commodities com larga escala de produção e baixo valor agregado – intensivos em energia e recursos naturais”. O texto foi publicado nos “Cadernos do Desenvolvimento” (jul-dez, 2015), editados pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. Entre os aspectos citados das fragilidades da economia brasileira, eles dedicaram atenção ao aumento do estoque de capital estrangeiro na indústria brasileira.
Para Cassiolato e Lastres, a elevação desse tipo de internacionalização da estrutura produtiva brasileira representa um empecilho ao desenvolvimento tecnológico e inovativo local, pois as subsidiárias das empresas transnacionais resumem suas atividades tecnológicas em adaptações e melhorias de produtos e processos (“tropicalização”). Com poucas atividades dinâmicas do ponto de vista tecnológico para gerar inovação, divisão qualificada do trabalho e economia de escala, há poucas chances de reduzirmos as nossas disfuncionais desigualdades sociais.
O Brasil é ainda um país de renda média, de grande potencial socioeconômico e que se desindustrializou precocemente, algo que afetou a sua produtividade e o seu crescimento. Em síntese, não se mostra viável almejar o desenvolvimento a partir de uma inserção primário-exportadora na economia global. A sociedade brasileira não deseja uma ponte para o passado.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)