De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2017, divulgada pelo IBGE recentemente, 22,3% da população capixaba, que em 2016 era de 3,96 milhões, moram em domicílios em que a renda média familiar por pessoa é de até R$ 377. Segundo o critério do Banco Mundial, vive na linha da pobreza quem ganha US$ 5,5 dólares por dia, ou R$ 377 por mês.
A pobreza avançou no Estado do Espírito Santo desde 2015. O IBGE mostrou que há 884.864 pessoas vivendo na pobreza entre nós, o que equivale a mais do que toda a população do Acre. Como consequência da crise econômica, política e institucional, o Espírito Santo foi afetado. Desde o início da recessão brasileira, iniciada no segundo trimestre de 2014 e que coincidiu com a forte queda dos preços internacionais das commodities, já estava bem claro para muitos que um forte ajuste fiscal contracionista, conjugado com uma política de juros altos, só agravaria os problemas vividos pelas pessoas menos favorecidas. Muitos negócios seriam também afetados.
Com uma carga tributária regressiva, o Brasil possui a maior concentração de renda do mundo entre o 1% mais rico, segundo aponta a pesquisa liderada por Thomas Piketty. De acordo com a “Pesquisa Desigualdade Mundial 2018”, quase 30% da renda do Brasil estão nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. Constam entre as recomendações da pesquisa a implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento dos impostos sobre herança, além de maior controle sobre a evasão fiscal. Infelizmente esse tipo de reforma progressista está muito fora do escopo do que vem sendo efetivamente proposto para o Brasil. Renúncias fiscais, que carecem de transparência e avaliação criteriosa, convivem com a elevada sonegação fiscal anual.
Em seu mais recente “Fiscal Monitor”, de outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou para as questões das desigualdades. Como síntese, consta que a crescente desigualdade e o lento crescimento econômico fazem com que muitos países devam concentrar atenção em políticas de apoio ao crescimento inclusivo. Embora alguma desigualdade seja inevitável em um sistema de mercado, uma desigualdade excessiva é capaz de erodir a coesão social, levando à polarização política e, finalmente, ao menor crescimento econômico. Nas economias avançadas, ressalta o FMI, a política fiscal é capaz de reduzir as desigualdades socioeconômicas em um terço, na média, sendo que três quartos dessa redução são provenientes de transferências. Para os países não avançados, o efeito redistributivo da política fiscal é bem mais limitado porque a tributação nesses países costuma ter um caráter regressivo.
O FMI destaca a relevância da discussão sobre a renda básica universal (UBI, em inglês). Para tanto, é necessário buscar efetivamente uma maior progressividade tributária em países como o Brasil e avaliar de forma transparente as externalidades negativas de certos tributos indiretos. Devemos, ainda segundo o FMI, reduzir as “oportunidades” para a evasão e a elisão fiscal. Merece destaque no documento do FMI o papel dos gastos públicos em educação e saúde na redução das desigualdades de renda no médio prazo, favorecendo a mobilidade social e promovendo o crescimento sustentado e inclusivo. Será preciso enfrentar esse debate público com maior pluralidade e republicanismo para evoluirmos como sociedade, pois há nuvens no horizonte.
A recente edição anual da pesquisa do “Latinobarómetro” traz informações bem preocupantes em termos de clima social na nossa região. Constata-se, no quadro geral, a degradação da confiança popular nas instituições e nas perspectivas. Consta na pesquisa “Latinobarómetro 2017” que quando questionados sobre a satisfação com a democracia, a média das respostas latino-americanas é de 30%. No Brasil, essa satisfação é de apenas 13%. Quando questionados se os governos administram para o benefício próprio e de alguns poucos grupos poderosos, a média latino-americana das respostas é de 75%, enquanto no Brasil essa resposta atinge a espantosa marca de 97%. Em relação aos conflitos entre empresários e trabalhadores, a pesquisa aponta que na América Latina a avaliação popular atinge 74%, já no Brasil a percepção desses conflitos atinge o patamar de 82%. Sobre a imagem do progresso, a média entre os latino-americanos é positiva para 25% e no Brasil essa avaliação é positiva para apenas 6%.
A “recuperação” econômica brasileira propagada por alguns não se realizou efetivamente na vida das pessoas. O documento disponível na página digital da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, em inglês), “Commodities and Development Report 2017”, aponta para a relação negativa entre o desenvolvimento humano e a dependência de exportações e importações de commodities nos países em desenvolvimento. Com expressivas capacidades ociosas em diversos setores produtivos, a redução do desemprego se processou recentemente sobre a precarização das relações de trabalho. A situação não é tão diferente no Espírito Santo, cuja estrutura econômica é tradicionalmente tomadora de preços nos mercados internacionais. Portanto, existem repercussões pró-cíclicas nas receitas tributárias municipais, estaduais e federais. Há também repercussões nas vidas e perspectivas das pessoas.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)