Nos tempos dos porões da ditadura que o país viveu, para os defensores da cultura, a criação do ‘Conselho Superior de Censura’ em 1979, representou o brilho de uma estrela que suavizaria a atuação repressiva sobre a liberdade de expressão que fortemente vigia, quanto mais em relação a cabeças excelentes que diziam verdades incríveis cantando.
O sol da liberdade propiciou a Chico Buarque no ano de 1984 –coincidente com a votação das “diretas já” – compor com Francis Hime o maravilhoso samba “Vai passar” que se constituiu em hino da Campanha das Diretas.
Num dos últimos fins de semana , 24 de junho deste ano, Francis ao seu piano, cantou o samba no programa do Faustão e ao lhe ser perguntado, se composto com vista em outra realidade tinha relação com à atual e a resposta foi sim.
De se destacar a estrofe que diz: “Num tempo / Página infeliz da nossa história”… Eu escreveria: neste tempo, eta história que continua sem viço e nada diz às nossas novas gerações, que não lhes dá exemplo de patriotismo, que vive de intolerância, e mesmo que o hino da independência cante: “já raiou a liberdade no horizonte do Brasil”, não é verdade, a verdade é que tudo que acontece tem origem no fato de se pensar que é permitido “ficar deitado eternamente, até porque o berço que é da Pátria já não é tão esplêndido”, roubaram nosso ouro, desmataram nossas florestas, expuseram ao calor do sol que nunca deixa de cumprir o seu dever, nossas nascentes e os nosso rios secam ou têm suas águas salinizadas, pela falta de forças de se projetarem no oceano, acabando por ser invadidos por eles. Inviabilizaram a vida dos nossos pássaros e os animais se estinguem. E já não se pode repetir oque disse o Senhor Deus: “e viu que tudo era bom”.
Também, “dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”, com governantes que o que menos fazem é zelar pelo bem do povo, que ao serem empossados juram cumprir a Constituição. Será que esquecem?
Carnaval é um tempo muito bom, a cada ano nossas Escolas de Samba se apresentam cada vez mais coloridas, exuberantes, transbordando criatividade e contando histórias que nos livros não foram escritos. Enche os corações, quem gosta de desfilar não poupa sacrifício, endossar uma fantasia daquelas é o mesmo que se vestir de rainha e rei. Copa do Mundo, mesmo que aconteça a cada a quatro anos, quando uma termina, já começa a expectativa da seguinte e os veículos exibem a Bandeira Brasileira que tremula ao vento, formando um bonito espetáculo pelas vias e em cada coração de brasileiro, o anseio para que a seleção vença, idolatram os bons jogadores, propiciam-lhes o enriquecimento impensado em pouco tempo.
Claro, como poderia ser diferente nesta Pátria em que “seus filhos erram cegos pelo continente, carregam pedras feito penitentes”, na busca de um emprego e formam filas de milhar para uma meia dúzia de vagas, gemem de dor, até pelo chão dos corredores de hospitais, ou choram as mortes de sua gente, antes de mesmo de ter sido olhado por um médico! Onde mães não podem trabalhar porque não têm com quem deixar seus filhos, faltam creches. Os adolescentes se tornam jovens marginais, porque acham bonito os meliantes que ostentam armas, que demonstram poder, paralisando cidades, tirando o sossego da população, usurpando a função do estado, porque este prefere cogitar das já citadas “perigosas transações” ao exercício de suas funções constitucionais. E as catedrais que se supõe lugares sagrados não são vistas, não se constroem.
Chamar a isto de ‘vida boa olerè, olarará” só pode ser ironia.
Agora, tomara que sim, repitamos: Meu Deus, vem olhar / Vem ver de perto uma cidade a cantar / a esperança de que surja o quanto antes a liberdade, antes mesmo de o dia clarear.
E o samba era desabafo pelo que provavam os autores. Ao menos um continua intolerante com o que não é mentira a respeito dos desmandos da época. Ele só não viu que nunca cessou e ainda cresceu em proporção “antes nunca vista neste país”
Rufem mais fortes os tambores, tamborins e quanto mais faz barulho, desperte-se esta gente acomodada que se troca por migalhas, nossa Pátria é grande e generosa, ninguém precisa sair daqui para viver melhor, mas tem que querer “tocar na banda ao invés de ficar olhando-a passar”.
Marlusse Pestana Daher,
Escritora, acadêmica, promotora de justiça aposentada