Encontro Marcado

 

                                                                              *Luiz Paulo Vellozo Lucas

            Epicentro mundial da pandemia do Covid-19, o Brasil vive meses estressados pela crise sanitária e econômica em meio à luta política radicalizada e judicializada, que se reflete no dia a dia das pessoas. O mundo virtual, turbinado pelo isolamento da quarentena, fervilha intensamente de militância espontânea e profissionalizada com apoio de robôs nas redes sociais e em grupos de discussão como num “reality show” eletrizante e interminável. Tudo parece convergir e depender de um desfecho para esta novela.

“Deixa o governo governar” dizem aqueles que enxergam Bolsonaro como sendo um cavaleiro andante da virtude e do patriotismo enfrentando instituições carcomidas pela velhacaria e pela corrupção. “Somos 70% da população contra o fascismo” dizem os que se opõem ao governo e abraçam a defesa das instituições e o “fora Bolsonaro”. Como pensar em eleições municipais nessa situação?

Enquanto houver um calendário eleitoral a cumprir é porque a democracia ainda está viva e pode fazer ressurgir sua força transformadora. Em 1974 a limitada liberdade remanescente no Brasil sobrevivia respirando por aparelhos numa estreita fresta institucional. A vitória eleitoral do MDB naquele ano foi o ponto de apoio que alavancou a luta política e a agenda democrática do país por dez anos acumulando forças até o fim da ditadura militar. A força transformadora das eleições derrotou o regime e também aqueles que descrentes na democracia sonhavam com luta armada para impor seu projeto de país.

Na eleição a população tem um encontro marcado com as instituições e com seu destino histórico. Não haverá desfecho da crise nacional antes do pleito municipal de 2020. Os eleitores serão chamados a escolher prefeitos e vereadores num cenário nacional dividido e conturbado, onde estarão juntas e misturadas todas as frustrações, indignação e revolta com as desigualdades e injustiças acumuladas. A vida nas cidades estará no centro das atenções junto com ideias sobre o que deveremos fazer a partir de janeiro de 2021.

O voto é sempre um ato de confiança e enfrentar os desafios colocados pela crise urbana em cada cidade neste momento é o caminho que a democracia brasileira oferece a todos os cidadãos, militantes virtuais ou não, cansados ou descrentes de um desfecho para a crise nacional que se mobilizarem para participar das eleições municipais.

O poder local precisa conquistar a confiança das pessoas e passar a ser compreendido como elemento chave para a solução dos problemas e angústias do dia a dia da população. O primeiro passo é valorizar a solução local, como fizeram os primeiros brasileiros desde a Independência em 1822 nas Câmaras Municipais, como nos relata Jorge Caldeira em seu livro “Historia da Riqueza no Brasil”. As instituições do Estado e a vida econômica e social do país precisam de reformas que permitam e desobstruam o protagonismo do poder local mas não podemos ficar esperando  que as soluções venham de Brasília. Elas não virão!

Os prefeitos e vereadores eleitos em 2020 serão desafiados a conquistar e acumular confiança pública e capital cívico para dar conta de governar seus municípios nesta crise. A renovação das lideranças locais em eleições  livres pode inaugurar uma agenda democrática e reformista visando  corrigir e fazer avançar as instituições que estruturam o estado brasileiro em um processo de baixo para cima. Começa no processo eleitoral deste ano debatendo, sem as muletas do populismo e do pensamento mágico, soluções viáveis de enfrentamento pactuado do déficit de vida urbana civilizada e da exclusão social tanto nas metrópoles com suas favelas quanto nos distritos e vilas do interior distantes do dinamismo industrial.

A agenda reformista precisa sair das caixinhas setoriais para adotar o ponto de vista das cidades que é o ponto de vista das pessoas. O desafio das reformas é um só, intersetorial e holístico. A cidade integra todas as dimensões: fiscal e tributária, política e federativa, social e econômica, tecnológica, ambiental e humana. O desafio das eleições municipais é abrir caminho para esta agenda em cada cidade e para o Brasil.

Joan Clos, ex-prefeito de Barcelona e ex-diretor da ONU-Habitat dizia que o único caminho para se construir um país desenvolvido é construir boas cidades.

* Engenheiro. Ex-prefeito de Vitória-ES. Mestrando em Desenvolvimento Sustentável na UFES.  

 

 

 

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