por Ana Cláudia Simões
A política pública de Assistência Social, competência da administração pública, é a responsável por prover acolhimento de idosos. A obrigação da administração pública e o direito do idoso ao acolhimento nascem do mesmo ato normativo, a Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social no. 109/2009, que orienta: “Acolhimento para idosos com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, independentes e/ou com diversos graus de dependência. A natureza do acolhimento deverá ser provisória e, excepcionalmente, de longa permanência quando esgotadas todas as possibilidades de autossustento e convívio com os familiares.”
É assustador e crescente o número diário de cidadãos que procuram o Poder Público em busca de abrigamento para um parente idoso. Com uma leitura atenta é possível perceber pontos importantes muitas vezes ignorados por quem busca o abrigamento: 1) o acolhimento de longa permanência deve ser exceção e nunca a regra; 2) primeiro é necessário esgotar todas as possibilidades de autossustento e convívio com os familiares. Essas diretrizes apontam para uma lógica muitas vezes desapercebida: nenhum lugar é melhor que nosso lar, deixa-lo deve ser a última alternativa.
As orientações legais apontam o caminho muito pertinente a ser percorrido por gestores públicos, que é fortalecer os vínculos emocionais e afetivos com familiares para evitar seu rompimento e abando dos idosos. O investimento maciço em construção de novos abrigos é a contramão do que direciona o legislador, até porque não haveria recurso público que daria conta de abrigar todos os idosos que fossem abandonados por suas famílias.
A orientação legal aponta numa leitura sistemática e teleológica no sentido do investimento em prevenção, que no campo da Assistência Social se dá através das atividades do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e nos Centros de Convivência dos Idosos. Retirar o idoso de seu lar e institucionalizar sua permanência num abrigo é o último recurso, diz o legislador. A norma também é clara ao determinar que todas as possibilidades de convívio com familiares devem ser tentadas, antes da opção pelo abrigamento. Rastrear e cadastrar familiares dos idosos, filhos, irmãos, sobrinhos, netos, etc, será etapa imprescindível para que estes sejam abordados e acionados a cuidar do seu ente familiar idoso em caso de necessidade.
Esse cuidado familiar com o membro idoso deveria ser natural e espontâneo. É a corresponsabilidade da família, que não pode atribuir ao poder público unicamente a função de cuidar de um ente idoso quando este começa a “dar muito trabalho” ou “ficar custoso o cuidado”. Neste ponto, faz-se necessário uma reflexão para analogia. Quando nascemos, temos dependência total de nossos pais, para andar, ir ao banheiro, tomar banho e nossos pais precisam conciliar de alguma forma suas atividades profissionais e cuidado conosco.
Algumas vezes os pais de filhos pequenos os levam para o trabalho, as vezes matriculam numa creche, as vezes os deixam e buscam na casa de parentes diariamente, as vezes contratam uma babá. Muitos pais passam sérias necessidades financeiras para criar seus filhos pequenos. Existem os filhos com problemas de saúde, os filhos com doenças crônicas, os filhos com deficiência, os filhos acamados. E ali estão os pais…..cuidando e zelando por seus filhos. É absolutamente incomum que pais entreguem seus filhos pequenos para um abrigo de crianças porque precisam trabalhar ou porque há alto custo no cuidado com os filhos ou por “dar muito trabalho”. E se porventura esses filhos forem abandonados à sua própria sorte dentre de uma casa, os pais serão processados por “abandono de incapaz” e provavelmente serão presos.
Mas esses filhos crescem, casam, constituem suas famílias e seus pais envelhecem e um dia se tornam dependentes para banho, para ir ao banheiro e tudo mais. Se tornam “incapazes”, não por sua vontade. A legislação só atribui incapacidade por menoridade, esquecendo do significado principal da palavra.
Dolorida deve ser a vida destes idosos que “dão trabalho demais”, incapazes, cujos filhos esquecem o passado e como primeira alternativa procuram o Estado e atribuem única e exclusivamente ao poder público o dever de cuidar e não consideram que o amor e aconchego do família é o verdadeiro cuidado que mantem uma longevidade feliz. No final, os incapazes são estes filhos: incapazes de amar os pais, quem dirá ao próximo.