Por Dalton Morais
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu de forma apertada – por 6 votos a 5 – contra a reeleição de Presidentes das Casas do Congresso Nacional, tendo esse julgamento causando enorme estranhamento ao público em geral, diante da regra expressa do art. 57, § 4º da CF/88 que veda tal reeleição.
Diante desse estranhamento, gostaria de tentar esclarecer o caso sob o ponto de vista jurídico para o público em geral. É que, por mais estranho que possa parecer aos leigos, é sim juridicamente possível, em dadas circunstâncias, entender que a norma constitucional não se encontra na literalidade do texto da CF/88.
O fato de nossa Constituição ter sido originariamente escrita em 1988 – quando ainda havia o Muro de Berlim e a União Soviética e não havia internet disponível ao grande púbico, quem dirá redes sociais – e o fato de sua aplicação ser feita em pleno século XXI, sob rápidas e profundas mudanças sociais e tecnológicas, faz com que, às vezes, seja necessário ressiginificar o texto original da CF/88 para sua aplicação na atualidade, no âmbito do fenômeno chamado de “mutação constitucional”.
Conhecida pelos juristas e aplicada pelo STF, onde já se reconheceu, por exemplo, a infidelidade partidária como fator de perda do mandato (MS 26.602, Min. Rel. Eros Grau), a possibilidade de que a gestante realize aborto de feto anencéfalo (ADPF nº 54, Rel. Min. Marco Aurélio) e a união homoafetiva como união estável (ADPF nº 132 e ADI nº 4277, Rel. Min. Ayres Britto) em contradição à literalidade da CF/88, a “mutação constitucional” exige que a pretensão de ressignificação do texto normativo seja acompanhada da demonstração efetiva de mudança da realidade que legitime a postura judicial de não aplicar a literalidade da norma.
E aí é que está o problema dos votos iniciais do STF que permitiriam a reeleição dos atuais Presidentes da Câmara e do Senado: não houve uma demonstração de absoluta excepcionalidade que justificasse a ressignificação do art. 57, § 4º da CF/88 para tal intento.
Mesmo que se diga que, após a edição da EC nº 16/1997, se passou a permitir a reeleição do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República) no art. 82 da CF/88, havendo assim uma assimetria indevida em permitir reeleição no Executivo e não permitir a reeleição dos Chefes do Poder Legislativo, isso não é suficiente para demonstrar uma absoluta excepcionalidade que justifique a ressignificação do art. 57, § 4º da CF/88 para permitir o que é nele vedado desde 1988.
Afinal, o mesmo § 4º do art. 57 da CF/88, após a EC 16/1997, foi objeto de nova emenda constitucional, a EC nº 50/2006, que manteve a vedação de reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado!
Isso demonstra que, tanto em 1997, quanto em 2006 e na realidade atual, o Poder Constituinte não teve qualquer pretensão de alterar a vedação da reeleição prevista no art. 57, § 4º da CF/88, devendo este significar exatamente o que está nele escrito: a Constituição proíbe a reeleição de Presidentes das Casas do Congresso Nacional!
Dalton Morais é Mestre em Direito, Professor de direito constitucional e administrativo, Procurador Federal da AGU e líder LIVRES