por Xerxes Gusmão
A vacina contra a Covid-19 provocou ansiedade poucas vezes vista na população brasileira com questões sanitárias, o que se explica pelas altíssimas taxas de contágio do coronavírus no país, além dos elevados riscos que ele representa.
Natural, portanto, que o início do processo de vacinação, ainda que tardio, ensejasse uma sensação de alívio muito grande, como efetivamente gerou.
Todavia, uma questão aparentamente contraditória surgiu: pode a vacina ser imposta aos brasileiros, ou ela seria uma opção individual de cada um? Dito de outro modo: haveria um direito individual de se recusar à vacinação?
O Supremo Tribunal Federal decidiu essa questão, em dezembro de 2020, do ponto de vista geral: nos termos da decisão do STF, o Estado brasileiro pode impor aos seus cidadãos a obrigatoriedade da vacina, aplicando sanções aos que se recusarem a se vacinar, por medidas como a não emissão de passaporte, de CNH ou outros documentos.
Restou, contudo, uma questão não tratada na decisão do STF: nas relações de trabalho, a vacinação pode ser, igualmente, oponível aos empregados? Eles podem ser dispensados por justa causa na hipótese de recusa a se vacinarem?
A Justiça do Trabalho já está sendo acionada para resolver essa complexa questão, ainda não existindo, no presente momento, uma resposta definitiva ou única.
O que não significa que não haja indicadores do que se pode concluir sobre o tema.
Inicialmente, a própria decisão do STF, já citada. Com base nela, já teríamos uma possível via a ser apontada, pois ela indica a obrigatoriedade da vacina.
Mas ela não basta, pois está vinculada à relação entre Estado e cidadãos, notoriamente veiculando um interesse público na imposição da vacina por aquele a estes.
Passa-se, então, a outro ponto fundamental: as hipóteses de dispensa por justa causa são somente as previstas em lei, especialmente no artigo 482 da CLT. Poderia, assim, a recusa da vacinação pelo empregado ser enquadrada em alguma destas hipóteses?
A resposta não é simples, provocando divergência entre especialistas do tema.
Uns entendem que não, pois a situação mais próxima desta, de insubordinação ou indisciplina (prevista pela alínea “h” do artigo 482 da CLT) se referiria a ordens diretas e estritamente vinculadas ao trabalho, o que não se confundiria com a imposição de vacinação, questão pessoal do empregado e estranha aos serviços prestados.
Outros estudiosos do tema, entretanto, consideram possível esse enquadramento, por reputarem que a recusa injustificada à vacinação representaria uma verdadeira indisciplina a uma determinação da empresa.
Elemento adicional que pode auxiliar na elucidação da questão é o Guia Técnico que o Ministério Público do Trabalho elaborou em janeiro de 2021, no qual se defende a possibilidade de aplicação da justa causa, em caso de recusa injusficada e desde que após a devida orientação e a tentativa de convencimento do empregado a se vacinar.
Fato é que essa questão ainda suscitará acalorada discussão entre especialistas e na Justiça do Trabalho, até que encontre uma resposta mais segura.
O que não impede que se indique, desde já, que o caminho que parece ser o mais razoável é o da orientação e do convencimento, mas de prevalência, nas hipóteses de recalcitrância na recusa, do interesse coletivo do conjunto de empregados, que ficam vulneráveis e expostos à contaminação por uma conduta injustificada e egoísta de recusa.
Xerxes Gusmão é Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne