A Covid-19 provocou uma série de desafios inéditos à sociedade brasileira, em
diversas áreas. Uma dessas áreas, sem dúvida, é a das relações de trabalho, nas quais vários
elementos foram afetados pela pandemia de coronavírus, causando algumas polêmicas
sobre questões mais sensíveis.
Uma dessas polêmicas diz respeito à possibilidade de enquadramento da Covid-
19 como doença do trabalho. Diversos efeitos decorrem desse enquadramento jurídico, especialmente a possibilidade de postulação, em ação judicial, de uma indenização por danos morais e materiais oriundos desta natureza ocupacional do coronavírus, sobretudo se ele ensejar o falecimento do trabalhador.
Evidentemente, o deferimento destas indenizações não será automático, pois
dependerá da prova, na Justiça do Trabalho, de alguns requisitos, dos quais o mais
relevante é o nexo da doença com o trabalho prestado à empresa.
Donde a imensa importância de se responder à questão central deste debate: a
Covid-19 pode ser considerada como doença do trabalho?
A resposta é: depende.
Depende, especialmente, da natureza do trabalho prestado.
Se for um trabalho com contato direto e permanente do trabalhador com o
público, expondo-o diariamente à contaminação, como no caso do transporte público ou
de trabalhadores da área de saúde, haverá o que os especialistas denominam como
presunção de nexo causal, a saber: a presunção de que o coronavírus foi contraído no
trabalho, configurando-se, portanto, a sua natureza ocupacional.
Por outro lado, se a atividade do trabalhador não o submeter ao contato com o
público, por se tratar de serviço em local mais reservado, como em um escritório, a
presunção será a contrária, de que a Covid-19 não foi contraída no trabalho, afastando-
se a sua natureza ocupacional.
Para atividades com algum contato com o público, mas não contínuo, devem ser
apuradas as reais condições nas quais o trabalho é prestado, para se concluir, no
processo judicial, pela existência ou ausência da natureza ocupacional da Covid-19.
Em qualquer hipótese, contudo, as partes poderão comprovar que a presunção
não corresponde à realidade, por meio de todas as provas que puderem levar ao
processo na Justiça do Trabalho referentes a elementos importantes, como o
fornecimento de álcool em gel, o uso de máscaras no local de trabalho ou a existência
de contaminados.
Fato é que este debate ainda está no início, sendo certo que no futuro próximo
haverá um número significativo de ações na Justiça do Trabalho tratando de pedidos
relacionados a essa possibilidade de se considerar a Covid-19 como uma doença do
trabalho.
Como de praxe, a Justiça do Trabalho saberá dar a resposta mais adequada a
essas ações que lhe serão propostas.
Xerxes Gusmão é Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne.
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