Por Ricardo Corrêa Dalla
O advogado que empreende uma campanha eleitoral, para ser eleito desembargador de Tribunal de Justiça e, portanto, deixar o seu ofício de origem, depara-se com uma verdadeira disrupção para uma nova vida pessoal, social e profissional.
O momento é mais do que oportuno para esta reflexão. E o que deveria inspirar um magistrado, em qualquer lugar do mundo civilizado? A resposta, encontrei na clássica literatura jurídica.
Originalmente “La Loi”, em francês, é um livro de 1850 de Frédéric Bastiat, que se tornou antológico. Nessa obra, “A Lei”, Bastiat afirma que cada um de nós defende a sua pessoa, a liberdade e a propriedade para assegurar o seu Direito, para fazer reinar entre todos a Justiça.
O Estado é a substituição das forças individuais pela força coletiva – e eu diria que ele de fato substituiu as astreintes, que eram as humilhações físicas e morais ocorridas quando se cobravam dívidas dos devedores. Hoje, em seu lugar, estão as multas em dinheiro.
A Justiça é o lugar comum onde o povo civilizado resolve as suas divergências, como disse certa vez o ministro Carlos Velloso, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, referindo-se a essa majestosa instituição e ao próprio STF.
Bastiat define dois tipos de pilhagem que ocorrem frequentemente na aplicação da lei: “ambição estúpida e falsa filantropia”. E das suas lições, extraímos: quando se demora o julgamento de um réu preso e inocente, quando se deixa um cidadão encarcerado além do tempo de condenação, quando se criam infrações penais por preferências ideológicas ou inimizades pessoais, quando se usa do processo para perseguir outra pessoa, quando não se julga um processo por falta de simpatia com a causa, quando se interfere em competências que são de outros Poderes, tudo, usando a força incontestável da caneta, então não estamos fazendo Justiça.
Na obra, após analisar as profundezas do processo legislativo e a forma como a maior parte das leis era feita à época, Bastiat, concluiu que a verdadeira função da Lei seria não fazer injustiça, mais do que fazer Justiça.
Diante de tais circunstâncias, há de se perguntar neste momento a mim, e aos meus colegas, ilustres candidatos/as ao Quinto Constitucional, se a escolha de um, dentre tantos, incluiria esse critério de, acaso eleito/a magistrado/a, não fazer injustiças.
Se a qualidade de conhecimento dos magistrados não se discute, se nas Cortes Brasileiras todos os seus componentes ostentam brilhante currículo e o perfil de juristas respeitados, se a idoneidade moral é também indiscutível, a questão se resume a que atribuir então estas grandiosas exigências e obrigações pela lei, nem sempre observadas do novo Código de Processo Civil, de que a Justiça tem que ser célere, aplicada por Juiz competente para o caso, dentro do ordenamento jurídico, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. E que ainda, então, tem-se que uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
No entanto, verifica-se aqui e ali, resistências de julgadores em cumprir determinações superiores estabelecidas em recursos repetitivos, repercussões gerais e outros efeitos erga omnes advindos de ADIns por exemplo e nem chegam a justificar o porquê da sua não aplicação.
Se todos esses princípios tiveram que ser colocados na lei processual, foi no sentido garantidor de que não existam turvações dessas imagens, desses significados jurídicos sociais, pois convivemos com essa frequente relativização das estruturas do Direito e dos seus princípios, com interpretações que eventualmente extrapolam o texto da Constituição. Então, se um dos candidatos/as eleito/a, não se preparar para essa disrupção e não procurar saber como enfrentar estas disparidades, acreditando apenas em honrarias e sem enxergar o cume do seu sucesso, terá dificuldade certamente em saber o que fazer e julgar quando aprovado no certame.
Creio que esta temática, de qual seria a verdadeira função no Poder Judiciário e até onde, exercendo a função, à luz do Direito vigente, deveria ser a preocupação maior de todos os operadores do Direito e em especial para o magistrado a ser eleito dentre os 34 candidatos, que passará pela obrigatória disrupção de uma prática consolidada de elaborar uma petição inicial e defender o seu cliente para que, noutro viés, ainda como operador do Direito, atue agora, contudo, com a responsabilidade de decidir e julgar e não fazer injustiças, mais do que fazer Justiça.
Aí estão alguns dos desafios para todos pretendentes a tão elevado cargo público, o de ser um Desembargador/a.
Ricardo Corrêa Dalla – Advogado desde 1983, há 38 anos, Mestre em Direito Constitucional Tributário pela PUC-SP e UFMG-BH.