Quero te convidar a sair da realidade por alguns instantes e fazer uma viagem no tempo. Os lugares que vamos passar você já conhece e estão todos na sua memória.
Busque uma lembrança boa, antiga, de quando você era criança. Pode ser um dia na escola, ou uma daquelas tardes que você brincou com seus melhores amigos.
Do que você mais gostava de brincar? Consegue lembrar daquela comidinha gostosa que sua mãe ou sua vó preparavam e ninguém consegue fazer igual? Qual era sua roupa preferida? E cheiro? Se lembra de algum aroma que marcou sua infância? Quem sabe o cheiro de um lugar ou o perfume de uma pessoa? Qual o nome da sua professora da primeira série? O que você comia na hora do recreio? Levava seu lanche de casa ou comia a merenda da escola?
E o seu desenho favorito na televisão? Aquela amizade que você jurava que duraria o resto da vida, quem era?
Essa viagem dentro das nossas memórias não é fantástica? Se fecharmos os olhos, podemos voltar em alguns momentos e até sentir o que vivemos naquele dia.
Enquanto escrevia as perguntas no início do texto, uma avalanche de memórias veio à tona e uma delas foi o meu sentimento ao assistir a um filme gravado em 1970 chamado “Meu Pé de Laranja Lima”.
A obra é baseada no romance escrito por José Mauro de Vasconcelos, em 1968.
Acho que tinha uns cinco ou seis anos quando o assisti pela primeira vez. O protagonista do filme era uma criança e lembro da tristeza que senti por aquele garoto levar uma vida tão difícil.
Alguns detalhes estão muito vivos na memória: a trilha sonora, as imagens com pouca iluminação dentro da casa… O filme mostra a vida de uma família pobre que tinha um filho que era uma verdadeira peste, o Zezé. Mas o que ele tinha de arteiro, tinha de doçura.
O que me conectou aquele personagem foi a solidão, porque embora eu não seja filha única, me sentia muito sozinha na infância. Zezé conversava com um pé de laranja lima e fez dele seu amigo. Naquela época eu queria muito ter alguma árvore no quintal pra poder fazer o mesmo.
Lembrar de como você era na sua infância é um exercício muito rico se estiver disposto a aprender com a criança que foi um dia. Você cresceu, seu corpo mudou, e todas aquelas coisas de adulto que tanto te encantavam naquela época, agora fazem parte da sua rotina.
As responsabilidades e rótulos que te são impostos nesta fase, aos poucos vão minando sua espontaneidade de simplesmente sentir e agir de acordo com esses sentimentos.
A maturidade traz a razão pro campo das atitudes e somos cobrados a agir racionalmente a maior parte do tempo porque é isso que adultos fazem.
O que você não se dá conta é que a maioria das suas ações, a maneira como reage a alguns estímulos e sua insatisfação com a vida, são a “sua criança” respondendo a tudo isso e não o adulto que pensa ser.
Tem tanta coisa mal resolvida com aquela criança que por mais que a gente queira agir como adulto, vira e mexe, acaba fazendo “meninice” e colocando muita coisa importante a perder.
Se conectar àquela criança, lembrar quem você era na sua essência mais verdadeira e encontrar o ponto em que você se distanciou de tudo isso, pode te ajudar a fazer descobertas incríveis a seu respeito.
Vale a pena resgatar a inocência de simplesmente ser, sem a preocupação com o julgamento alheio e a necessidade de corresponder aos duros padrões da vida adulta. Ser irresponsável não faz parte desse processo. A ideia é reencontrar coisas preciosas que se perderam pelo caminho e quem sabe levar uma vida mais leve e com mais sorrisos.
Herica Godoy, Jornalista e Estudante de Psicanálise