Por Gabriela Cuzzuol
“A esperança é o sonho do homem acordado.” A concordância com a frase supostamente atribuída ao filósofo Aristóteles deixa claro que o ideal seria iniciar o ano com um texto que transmitisse alguma esperança. Não é tarefa fácil, ante os desafios que serão enfrentados em 2022.
O ano que se inicia herda o legado de um 2021 que parecia infindável. Não houve paz.
Finalizamos o ano, lamentando as mais de 600 mil mortes por Covid-19.
Apesar do sucesso das campanhas de vacinação – quase 80% da população teve acesso a pelo menos uma dose de vacina; e quase 70% teve acesso às duas –, os surtos de reinfecção pela variante Ômicron, nos Estados Unidos, não trazem bons augúrios.
Nesta terça-feira (04), o mundo registrou o recorde de 2,4 milhões de novos infectados em 24 horas, puxados pelos EUA, onde mais de 50% das infecções foram registradas.
A boa notícia é que os primeiros estudos sobre a variante Ômicron, realizados na África do Sul, indicam que ela é bem menos letal que a cepa original. A má é que a velocidade de contágio é muito maior.
A segunda má notícia é a possibilidade de contágio duplo. Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo já registram casos em que os pacientes são contaminados tanto por Influenza quanto por Covid-19, a chamada “Flurona”. Após dois anos de efeitos da Covid original, tanto Ômicron quanto a “Flurona” são um indicativo péssimo.
Se na saúde o que se apresenta pode ser uma batalha dura, no campo político a expectativa é de um ano de guerra.
A disputa eleitoral de outubro deve ser uma das mais polarizadas da história, com os dois extremos nos polos: em um, o atual presidente, Jair Bolsonaro; no outro, o ex-presidente Lula.
Entre ambos, desponta como principal nome da aclamada “terceira via”, o ex-ministro da Justiça e ex-juiz Sérgio Moro, principal antagonista de ambos na história política recente.
A seu favor, Bolsonaro tem a máquina pública de propaganda, aliados importantes nos estados e um eleitorado fiel. Tem também o sucesso econômico, alicerçado pelo pagamento do auxílio emergencial – que chegou a atender 66 milhões de brasileiros – e o do Renda Brasil, que deverá favorecer outros 17 milhões. Levará também os créditos por uma eventual recuperação econômica do País – que em 2021 foi positiva. Em fevereiro deverá se confirmar previsão de 4,5% de aumento de PIB.
Lula tem recall. É um político com 40 anos de história no Brasil. Foi gestor do País numa época de bonança econômica – em grande parte mérito da exportação de commodities, carrega o eterno legado do Bolsa Família e ainda centraliza boa parte da insatisfação dos brasileiros com a gestão Bolsonaro – que só cresce.
De acordo com dados apresentados por quatro renomados institutos de pesquisa – Ipespe, Atlas, PoderData e Datafolha –, a diferença de intenção de votos entre os dois principais candidatos está entre 6 pontos percentuais (PoderData) e 30 pontos percentuais (Datafolha), consideradas as margens de erro, com vantagem para o petista.
Lula terá mais uma vantagem: dinheiro. Entre o Fundo eleitoral e o fundo partidário, o PT deverá dispor de 594 milhões de reais para bancar campanha e manutenção do partido. Ficará atrás apenas do PSL, que embolsará R$ 604 bilhões. O PL de Bolsonaro contará R$ 340,9 milhões.
Financiar os 4,9 bilhões para bancar “jingles e santinhos”, além de R$ 1,06 bilhão para manter as estruturas partidárias será um dos árduos desafios dos brasileiros que precisarão produzir para bancar impostos suficientes para cobrir um Orçamento de R$ 4,7 trilhões, dos quais sobrarão apenas R$ 44 bilhões para investimentos.
Trabalharemos para bancar uma máquina pública R$ 49 bilhões mais custosa e sobrará menos dinheiro para que se invista no que a população realmente necessita.
Tudo isso em meio a problemas urgente: a previsão de crescimento de PIB em 2022 é baixo. Em novembro do ano passado, JPMorgan e Itaú projetaram 0,5% de recuo. O ministério da Economia projeta 2,5% de crescimento, porém o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) diminui a previsão de 1,8% para 1,1%.
PIB baixo tem relação direita com enfraquecimento da atividade produtiva. Atividade produtiva fraca, menos oportunidades de emprego e renda.
O Brasil tem atualmente a quarta pior taxa de desemprego do mundo (de acordo com a Austin Rates). Segundo o estudo, 13,7 milhões de trabalhadores não tinham emprego em novembro de 2021.
Apenas entre os jovens, são 12,3 milhões de “nem nem”, ou seja, jovens de até 29 anos que nem estudam, nem trabalham. Isto significa que o País deixa de produzir, de gerar riquezas, de crescer.
Entre os mais vulneráveis, a situação é gravíssima: Voltamos ao mapa da fome, do qual havíamos saído desde 2014.
Em meio de 2021, 19 milhões de brasileiros cidadãos brasileiros tinham a chamada insegurança alimentar grave. Em outras palavras: passavam fome.
E há também o problema da educação: o Brasil que já ocupava uma das piores posições nos indicadores internacionais, de acordo com o PISA, ainda precisa enfrentar evasão e o déficit de aprendizado após quase um ano de aulas remotas.
Sem educação de qualidade, fica muito mais difícil enfrentar os desafios que a história do Brasil apresenta, mas que tanto pelo cenário de recuperação pós-Covid-19 quanto pela má gestão pública, serão desafios enormes em 2022.
Tudo isso, em um ano em que as atividades do Congresso devem andar pouco e com foco eleitoral. As reformas – essenciais para que o País recupere condição de crescimento – tendem a ter avanço quase zero. A administrativa não deverá ser aprovada em 2022.
O foco dos políticos em ano eleitoral deverá ser, como historicamente, os próprios redutos eleitorais -, entendam, atuar em prol da própria reeleição ou de seus correligionários. Com a fortuna que o Orçamento 2022 prevê em emendas de relator, não será tarefa difícil.
O lado positivo é que nem tudo está perdido. Como coloca o filósofo Michael Oakeshott, “política de fé” é aquela que acredita ter a política o poder de resolver todos os dilemas humanos. Não o tem. Pessoas são falhas e cometem erros, um atrás do outro. Melhorar a vida social depende, em grande parte, de como se faz gestão da própria vida, independente do que as circunstâncias apresentem.
Por outro lado, no que se refere à gestão pública, escolher representantes melhores, nas eleições de 2022, pode ser um primeiro passo importante para que cenários como o anteriormente descritos comecem, aos poucos, a serem melhorados.
É um trabalho de gerações, que precisa ser iniciado. Difícil, porém, possível.
Tanto pelos esforços particulares ou institucionais, quando pela possibilidade de escolher melhor aqueles que nos representarão nas altas esferas do Poder, é possível começar aos pouquinhos, a mudar a realidade do Brasil e a nossa.
Enfrentar os graves dilemas que temos pela frente é um primeiro passo.
Nesse sentido é que este é um texto de esperança.
Gabriela Cuzzuol é comentarista de política. Debate temas da política nacional e local no quadro Visão Política, na Jovem Pan News Vitória (90,5 FM), às terças e quintas, às 11h30.