A pandemia de Covid-19 provocou um aumento considerável do trabalho em home office, igualmente conhecido, em termos técnicos, como teletrabalho.
Imediatamente surgiram diversas dúvidas acerca do tema, tais como: a possibilidade de recebimento de horas extras; a responsabilidade pelo custeio dos equipamentos de trabalho ou os limites do controle do trabalho pela empresa.
Este último tema é particularmente polêmico, sobretudo pelo uso de novas tecnologias impactantes, como a inteligência artificial, pois existem dois elementos opostos na sua análise, a saber: se, por um lado, o poder diretivo e fiscalizatório do empregador inclui a possibilidade de ele exercer, mesmo à distância, o controle do trabalho prestado pelo seu empregado, por outro lado, este controle não pode ser excessivamente invasivo, em respeito a princípios como o da intimidade do trabalhador.
A busca por tal equilíbrio não é simples, pois a lei não é clara ao impor os limites que teriam que ser respeitados pelo empregador, cabendo à Justiça do Trabalho realizar tal tarefa delicada.
Para tanto, ela tem de enfrentar pontos sensíveis, como o uso de novas ferramentas de controle, especialmente a inteligência artificial, capaz de entregar ao empregador um controle absoluto das atividades exercidas pelo trabalhador, englobando sites visitados, teclas digitadas no computador, período de atividade e de inatividade, dentre outros.
É exatamente nesta completude das informações fornecidas que reside o problema: para o empregador, ela representa o cenário ideal, por dispensar a necessidade de prepostos da empresa efetuarem uma fiscalização permanente, o que é trabalhoso e custoso. Ocorre que essa visão completa é considerada, por especialistas e parte da Justiça do Trabalho, como exagerada, por invadir indevidamente a privacidade do empregado.
A solução que vem sendo encontrada para essa complexa equação é a seguinte:em tese, o controle pelo empregador, por qualquer tipo de ferramenta – presencial, por visitas aleatórias de um superior à residência do empregado; à distância, mas humana, por ligações ou mensagens de superiores; por meio de aparatos tecnológicos, como webcams, softwares ou inteligência artificial – é possível, pois inserido no seu poder fiscalizatório.
Todavia, deve haver o respeito, no exercício desse controle, de uma razoabilidade pela empresa, inicialmente pela absoluta impossibilidade de controle de momentos que não sejam de trabalho, como pausas ou intervalos entre uma jornada e outra, durante os quais a empresa não pode controlar o que o trabalhador está fazendo; ademais, pela restrição dos dados coletados aos estritamente necessários para aferir a produtividade do empregado, tais como o tempo de efetiva prestação de serviços ou as atividades realizadas no computador de trabalho, afastando, assim, a possibilidade de coleta de informações pessoais do trabalhador, ainda que contidas no mesmo computador.
Além disso, a Justiça do Trabalho vem, de maneira majoritária, exigindo do empregador o respeito ao fato de que o empregado não é uma máquina, tendo direito a pequenas pausas ao longo da jornada, além do intervalo para refeição e descanso, não se admitindo o pagamento unicamente das horas efetivamente trabalhadas diante da tela do computador, informação apontada de forma precisa pelas novas tecnologias, sobretudo a inteligência artificial, mas que não pode servir de parâmetro para o pagamento do salário do empregado.
Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne