No final de 2023, o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo disponibilizou, em seu site, o Painel de Saneamento, ferramenta que apresenta as principais informações sobre o desempenho dos municípios no atendimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, em cada município, e uma visão geral do Estado e suas microrregiões de planejamento.
O Painel de Saneamento disponibiliza ainda informações sobre o desempenho do sistema de abastecimento de água, com dados sobre as perdas na distribuição, ou seja, o percentual de água que é perdido entre a saída do reservatório e a casa dos moradores. Também apresenta o ranking capixaba de saneamento básico (RCSB) que atribui notas de 0 a 10 para os 78 municípios capixabas.
Essa ação vem colaborar para o acompanhamento da melhoria dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto sanitário, de modo a universalizar o atendimento até 31 de dezembro de 2033. Essa data foi estabelecida pelo Marco de Saneamento (Lei 11.445/2007), que foi alterado em 2020 por meio da Lei 14.026.
A universalização do atendimento significa que 99% da população capixaba deverá ter acesso à água potável, 90% acesso à coleta de esgoto e que 80% do volume de água consumida, que se transforma em esgoto, deverá ser tratado antes de retornar ao meio ambiente.
No entanto, as últimas informações disponibilizadas pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que são utilizadas no Painel de Saneamento, revelam que o Espírito Santo tem um grande desafio para a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Os dados revelam que 83,4% da população capixaba tem acesso à água potável, 59,5% à coleta de esgoto e que somente 45% do volume do esgoto gerado é tratado antes de retornar ao meio ambiente. Ou seja, cerca de 630.000 capixabas não têm acesso a água potável e 1,5 milhão não são atendidos com a coleta de esgoto.
Os dados também revelam que 29,2% de toda a água tratada é perdida antes de chegar até o hidrômetro dos capixabas, impactando em desperdício de recursos financeiros, que poderiam ser investidos no próprio sistema de abastecimento de água para acelerar a universalização. Também há o desperdício com a energia gasta para o tratamento e bombeamento dessa água perdida.
Esses dados demonstram que o maior desafio para o Espírito Santo é a coleta e o tratamento do esgoto gerado. Todo o esgoto lançado em seu estado natural nos cursos d’água, impacta diretamente na saúde e na qualidade de vida da população. Além de afetar o custo da produção de água potável, pois o tratamento da água fica mais caro e os pontos de captação de seu estado bruto, em melhores condições, ficam cada vez mais distantes.
A carência de acesso ao saneamento básico impacta no índice de desenvolvimento humano (IDH), que considera em seu cálculo a expectativa de vida ao nascer, o nível de escolaridade e padrão de renda.
A não disposição de água, em quantidade e qualidade adequadas, leva a higienização precária das mãos, bem como a um risco maior de armazenamento inadequado, gerando a proliferação de doenças que poderiam ser evitadas, caso todas as moradias tivessem acesso ao abastecimento de água potável.
Também haveria menor risco proliferação de doenças com a coleta e tratamento dos esgotos sanitários, sem o seu despejo diretamente no meio ambiente.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada US 1,00 investido em saneamento, economiza-se U$4,3 na promoção de saúde (em reais, para cada R$5,00 investido em saneamento, economiza-se R$21,5 em saúde). Ainda, de acordo com a OMS, a diarreia, que é uma doença de veiculação hídrica, está entre as cinco maiores causas de mortes de crianças menores que 5 anos no mundo.
A ausência de acesso ao saneamento, aumenta o risco de doenças de veiculação hídrica interfere na vida escolar das crianças, face a um maior risco de doenças. Em um recorte por gênero, as adolescentes, residentes em áreas sem acesso ao saneamento, durante o seu período menstrual, pela ausência de água para a higiene pessoal, tem maior possibilidade de perder aulas, o que aumenta o risco de evasão escolar.
Um estudo do Instituto Trata Brasil, específico para o Estado do Espírito Santo produzido em 2023, aponta que a restrição de acesso ao saneamento básico impacta numa menor escolaridade da população. Em média, as pessoas residentes em locais sem acesso aos serviços de coleta de esgoto, atingem 7 anos de estudo, enquanto pessoas com acesso a este serviço, possuem em média, 9,3 anos de estudo.
Isso impacta diretamente na capacidade de geração de renda dessas pessoas, o que se propaga por gerações. Assim, a população à margem do acesso ao saneamento básico, possui menor empregabilidade, são acometidas, com mais frequência, de doenças de veiculação hídrica, as vezes crônicas, e possuem menor capacidade produtiva durante sua vida laboral.
Destaca-se, que a falta de saneamento básico não afeta somente os capixabas que residem em áreas ainda carentes desse serviço público. É afetada também toda a população capixaba, à medida que a ausência de saneamento aumenta o custo do sistema de abastecimento de água e o risco de doenças aos usuários das praias e outros cursos d’água.
Também é impactada a atratividade turística, pelo despejo de esgoto nas praias, lagoas e outros cursos d’água e atratividade de instalação de empresas, em decorrência da qualificação da mão de obra residente. Há também a desvalorização imobiliária no entorno dos pontos com despejos de esgoto sanitário, bem como o aumento no custo dos imóveis em área saneadas, pela redução de oferta de terrenos nessas condições.
Assim, até dezembro de 2033 os governos estadual e municipais deverão investir maciçamente em saneamento básico para reverter a situação em que o Estado se encontra e para garantir a universalização do acesso à água potável e coleta e tratamento de esgoto aos capixabas, além de maior eficiência na prestação dos serviços.
Promover o saneamento básico para a população capixaba garante o acesso de forma equânime à vários outros direitos sociais previstos na Constituição Federal, como acesso à saúde, a educação, ao trabalho e habitação.
Ana Emília Brasiliano Thomaz
Auditora de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Controle Externo de Meio Ambiente, Saneamento e Mobilidade Urbana