O contexto da recuperação judicial de empresas no Brasil destaca um desafio crucial: a necessidade de equalização do passivo fiscal, especialmente diante da exigência de certidões negativas de débitos (CND) para que o plano de recuperação judicial (PRJ) seja homologado.
A regularidade fiscal é obrigatória, porém, para empresas em dificuldades, é necessário equilibrar esse dever com a sua capacidade de pagamento e o objetivo maior da recuperação, isto é, a preservação da atividade econômica.
Com a promulgação da Lei 14.112/2020 importantes alterações no processo recuperacional foram implementadas, incluindo a ampliação das possibilidades de parcelamento e a introdução da transação tributária.
Esse instituto, regulamentado pela Lei 13.988/2020, trouxe uma abordagem inovadora e flexível ao permitir que as empresas e a Fazenda Pública negociassem condições de pagamento de dívidas personalizadas, adaptando-se à realidade financeira do devedor e visando à manutenção das atividades empresariais.
Esses benefícios se baseiam na ideia de que os débitos de empresas em recuperação judicial são presumidamente irrecuperáveis ou de difícil recuperação.
Alívio financeiro sem comprometer arrecadação pública
Em termos práticos, a transação tributária possibilita que o passivo tributário seja ajustado de acordo com a capacidade de pagamento da empresa, aliviando a pressão financeira sem comprometer a arrecadação pública.
A transação é construída de maneira individualizada, considerando a situação financeira da empresa e, com isso, incentiva o pagamento dos tributos com segurança jurídica, preservando o cumprimento dos objetivos da recuperação judicial.
Assim, a empresa consegue um “fôlego” com a renegociação das dívidas tributárias, para que possa focar em outras áreas e em seu plano de reestruturação, uma vez que possibilita descontos de até 70% sobre o valor total dos débitos tributários inscritos em dívida ativa da União e pagamento parcelado em até 145 meses.
O Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em seu 5º Relatório de Pesquisa, realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Tributação, revelou que, a mediana do desconto obtido pelas empresas em recuperação judicial foi de 68% sobre o valor total da dívida fiscal e a mediana do prazo concedido para pagamento da dívida fiscal foi de 120 meses (10 anos).
Acordos de transação tributária avançam
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estima que ao menos R$ 60 bilhões da dívida ativa da União já foram regularizados por meio de acordos de transação tributária firmados com empresas em recuperação judicial, já quitados ou em parcelamento.
Recentemente, podem-se citar os casos de êxito da rede de ensino em recuperação judicial Ulbra – em que uma dívida total de R$ 6,2 bilhões caiu para R$ 622 milhões – e da Telexfree, que está em vias de encerrar sua falência após a redução de uma cobrança de R$ 5 bilhões em 89%.
Essa mudança de paradigma evidencia o entendimento do legislador quanto à função social das empresas e ao seu papel na geração de empregos e na atividade econômica.
A transação tributária, não apenas facilita a obtenção de CNDs para possibilitar a homologação do plano de recuperação judicial.
Ela também cria um ambiente de renegociação que contribui para a sustentabilidade das empresas e para a eficiência arrecadatória do Fisco, demonstrando que o direito tributário pode atuar em consonância com o direito empresarial para a preservação da empresa e dos benefícios sociais e econômicos dela decorrentes.
Bruno Finamore Simoni
Advogado especialista em Direito Empresarial e Recuperação Judicial, sócio do escritório Finamore Simoni Advogados