por Xerxes Gusmão
O leitor menos habituado à prática da Justiça do Trabalho pode estranhar o título deste artigo, por lhe sugerir uma dúvida inquietante: era possível cobrar honorários de um trabalhador pobre, antes dessa decisão do STF?
A resposta, por mais estranha que possa parecer – de fato o é -, é positiva: sim, era possível. Ao menos para parcela dos juízes do trabalho.
Ocorre que a tão conhecida quanto polêmica reforma trabalhista rompeu uma lógica antes vigente na Justiça do Trabalho, introduzindo na lei trabalhista a possibilidade de cobrança do trabalhador de despesas como custas processuais, honorários de advogado ou honorários do perito, mesmo quando fosse beneficiário da gratuidade de justiça.
Imediatamente, surgiu uma imensa polêmica acerca do tema, com parcela considerável dos autores e dos juízes do trabalho – dentre os quais orgulhosamente me incluo – resistindo a essa cobrança, especialmente por violar um dispositivo constitucional essencial: o da assistência jurídica integral e gratuita.
Mas, é necessário se reconhecer, não raras foram as decisões da Justiça do Trabalho aplicando, desde o início da sua vigência, em novembro de 2017, esta inovação da reforma trabalhista, ensejando, em casos extremos, situações dramáticas, como a cobrança de honorários advocatícios de dezenas, por vezes centenas de milhares de reais de trabalhadores que gozavam da gratuidade de justiça.
Sucede que uma resposta definitiva a esse dilema adveio na última quarta-feira, dia 20 de outubro de 2021, quando o STF decidiu a questão: considerou inconstitucional a cobrança de honorários advocatícios e periciais do trabalhador beneficiário da gratuidade de justiça, por violação de dispositivos constitucionais como o mencionado acima, da assistência jurídica integral e gratuita.
Encerrava-se, assim, a longa polêmica sobre o tema?
Infelizmente não. Pois, se de um lado é inevitável se reconhecer que estes honorários não poderão mais, sob qualquer argumento, ser cobrados do trabalhador pobre – por se tratar de decisão do STF com efeitos vinculantes -, por outro lado alguns especialistas passaram a apontar o risco de um caos.
O principal fator negativo, alardeado como incendiário por estes autores, seria o surgimento de uma enxurrada de ações aventureiras na Justiça do Trabalho, com infindáveis pedidos sem qualquer embasamento efetivo, uma vez retirado o receio do pagamento de despesas processuais.
Ousamos, contudo, discordar destes arautos do caos: não há, a nosso ver, nenhum vestígio de risco de um tumulto judicial em razão da decisão do STF, por jamais ter existido, antes da reforma trabalhista, uma quantidade significativa de ações temerárias na Justiça do Trabalho, sendo raros os exemplos nesse sentido.
O que ocorrerá, de fato, é a perda do medo que afligia quantidade significativa de trabalhadores, que chegava ao ponto de lhes demover da mera ideia de ajuizar ações as mais banais, para cobrança de verbas claramente sonegadas pela empresa. Agora, caso percam, por não conseguirem provar seu direito, não terão mais de pagar valores estratosféricos de despesas processuais.
Em resumo: a decisão do STF, longe de representar qualquer risco de caos, reforçará princípios constitucionais fundamentais, como o do acesso à justiça e da assistência jurídica integral e gratuita. Boa notícia, portanto.
Xerxes Gusmão Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne.