Por Xerxes Gusmão
A pandemia de Covid-19 provocou uma série de problemas para a sociedade brasileira, já bastante conhecidos.
Nas relações de trabalho, questão particularmente sensível foi a dos trabalhadores de grupos de risco, como idosos, obesos ou gestantes, cujo trabalho presencial foi desaconselhado, especialmente no início do período pandêmico.
Esta atenção especial explica porque, no caso específico das gestantes, houve a criação, pelo Congresso Nacional, em 12 de maio de 2021, da Lei nº 14.151.
Tratou-se de lei determinando expressamente o afastamento da empregada gestante do labor presencial, devendo haver adaptação das suas atividades ao home office ou o pagamento do seu salário, mesmo sem a prestação de serviços, caso inviável o trabalho à distância. Inexistia, portanto, qualquer possibilidade de continuidade do seu trabalho presencial.
Ocorre que esta lei acaba de sofrer importante alteração: no último dia 9 de março, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Lei nº 14.311, modificando a lei anterior sobre o trabalho presencial da gestante.
A principal mudança foi a criação de regra totalmente distinta da anterior: todas as gestantes com ciclo vacinal completo – ou seja, com duas ou três doses da vacina contra o coronavírus -, terão que retornar ao trabalho presencial, salvo decisão em contrário da empresa, de mantê-las no trabalho à distância.
Permanece, todavia, o trabalho telepresencial obrigatório para as gestantes não completamente imunizadas – mas exclusivamente aquelas que não o tenham feito por recomendação médica contrária à vacinação, não pela recusa espontânea.
Desse modo, as empregadas grávidas que, por conta própria, tiverem se rebelado e recusado, sem laudo médico nesse sentido, a imunização contra a Covid-19, terão, igualmente, que retornar ao trabalho presencial. A única diferença é que estas terão que assinar um termo de responsabilidade e livre consentimento para este retorno.
Duas questões permaneceram, contudo, sem solução pela nova lei.
A primeira se refere às gestantes não completamente vacinadas que não possam exercer suas atividades à distância, pela impossibilidade de adaptação: o texto da lei aprovada no Congresso, que chegou para sanção presidencial, continha solução para a hipótese, pois previa o afastamento pelo INSS; todavia, o Presidente da República decidiu vetar este dispositivo, criando uma situação de vácuo legislativo e potencial conflito.
A segunda diz respeito à possível recusa, pela gestante renitente na sua oposição à vacinação, a assinar o termo de responsabilidade para retorno ao trabalho presencial: a aplicação pelo empregador, nesta hipótese, da dispensa por justa causa será perigosa, pois o texto legal considera a recusa à vacinação como legítima. Será mais seguro, portanto, a adaptação das suas funções ao teletrabalho (se possível). Mas é inegável que a melhor solução, uma vez mais, seria o afastamento pelo INSS, vetado pela Presidência.
Temos, portanto, duas situações de alto potencial conflitivo, que devem desaguar na Justiça do Trabalho, onde seguramente receberão uma solução justa. Não se poderia deixar de notar, entretanto, que estes dois problemas foram criados pela desatenção e incúria do legislador e da presidência no momento da elaboração e sanção da lei, ao nela deixarem tais brechas indesejáveis.
Xerxes Gusmão é Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne.