Lembro-me, com clareza de detalhes, o dia em que uma mãe perguntou-me na escola: “O seu filho não é autista não?” Estávamos no período de adaptação escolar e eu levei um susto! Pensei: meu Deus, o que os outros estão vendo que eu não consigo ver? Daquele dia em diante, comecei minha caminhada na maternidade atípica.
Aceitar o autismo é pensar da seguinte forma: eu paro de gastar energia com aquilo que não posso mudar, com aquilo que eu não vou conseguir mudar, e começo a focar nas possibilidades. É essencial perceber que meu filho continua sendo meu filho, com potencialidades e dificuldades, como qualquer outro. Nesse sentido, passei a focar naquilo que eu podia fazer para desenvolver o necessário para ele, auxiliando-o e contribuindo para a formação de um ser humano melhor, dentro daquilo que ele pode. Sim, ele pode muito!
Não costumo romantizar o autismo, os desafios até aqui forma inúmeros. Sentimentos comuns de solidão e medo cercam todas as mães de autistas e, nesses 21 anos de caminhada, comigo não foi diferente. Esses sentimentos emergem diante dos desafios vividos cotidianamente na busca de inclusão social dos nossos filhos. Incertezas e preocupações reforçam angústias ante uma sociedade ainda pouco includente, em um contexto contemporâneo que revela, cada vez mais, a intolerância com o diferente.
Apesar das conquistas alcançadas nos direitos sociais, ainda falta maior implementação de políticas públicas que auxiliem as famílias no processo de construção de um espaço de convivência flexível e saudável, para que a pessoa com TEA tenha segurança na caminhada pela realidade social que a cerca, de modo a tornar-se um cidadão pleno, tendo seus direitos respeitados.
Ter um filho com autismo é uma possibilidade jamais sonhada por alguém que deseja ser mãe. O autismo não tem um rosto, não tem diagnóstico precoce e não somos preparados para isso. Mas eu me transformei em uma nova pessoa! Mudei o rumo, perdi meu prumo e limpei o terreno para percorrer essa caminhada chamada autismo. Achei que a tempestade nunca iria passar. Colhi flores, algumas com espinhos, encontrei minha profissão, encontrei-me! Aprendi mais do que ensinei. Criatividade, paciência, fé, família, amizade e amor são algumas das palavras que fazem parte das nossas vidas.
Existem muitos “autismos” e cada família possui lutas diárias que nos aproximam enquanto famílias de autistas e nos fazem enxergar esse amplo espectro. O nosso caminho inicia-se com um diagnóstico que se desdobra em muitos atalhos, e, na complexidade de cada atalho, eu traço o caminho a seguir. O que sou, o que me tornei, deve-se aquilo que ninguém nunca me ensinou – ser mãe de um autista. Sem olhar e questionar, sigo em busca de mim mesma para transbordar o meu melhor e, assim, deixar mais leve a caminhada de tantas pessoas que procuram a minha caminhada como alento.
Carol Barros é mãe do Davi, autista de 21 anos;
Graduada em Pedagogia, com Pós-graduação em Arteterapia, Psicopedagogia e Intervenção ABA para Autismo e deficiência intelectual, Inclusão Escolar nos Transtornos do NeuroDesenvolvimento: Autismo e suas Comorbidades e Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local . Efetiva na rede Municipal de Ensino da Prefeitura Municipal de Venda Nova do Imigrante, onde atua como diretora escolar.