Por Vanderson Pedruzzi Gaburo
A notícia veiculada nos últimos dias de que o pai de uma criança com autismo foi assassinado porque, supostamente, uma buzina acionada pelo filho teria incomodado o criminoso, choca e gera um sentimento imediato de empatia e dor. Mas, infelizmente não surpreende. Além da reação imediata de colocar-se no lugar dessa família diante de tamanha tragédia, esse evento nos revela algumas questões que merecem atenção.
A primeira é a confirmação de que ainda vivemos numa sociedade que estigmatiza e violenta as pessoas com deficiência. Despersonalizadas como sujeitos, elas são encaixadas num grande grupo que se imagina homogêneo. A partir dele, são construídos estereótipos sobre o que é ser um sujeito com deficiência, uma visão generalizada que faz com que as deficiências não visíveis, como o autismo, não sejam reconhecidas. Invisíveis em suas condições tornam-se não pertencentes a um arranjo social de respeito e alteridade ainda muito frágil e que norteia a relação das pessoas com deficiência em sociedade.
É como se construíssemos camadas de respeito mais ou menos consolidadas, onde as deficiências não visíveis ocupam, talvez, as zonas mais fragilizadas. Fica evidente que a condição da pessoa com autismo não foi sequer avaliada no contexto do conflito que gerou uma reação violenta cruel e banal.
Essa reação desproporcional é outro ponto importante que esse acontecimento revela. O estímulo ao acesso a armas de fogo e uma cultura de ódio crescente no país tem, cada vez mais, produzido episódios extremados de banalização da violência, rompendo laços de mediação e diálogo. O filho que ficará órfão presenciou, infelizmente, o encontro de duas facetas perversas dos nossos tempos: a violência armada e a ausência da cultura da diferença.
Vanderson Pedruzzi Gaburo é sociólogo, mestre em História Social das Relações Politicas e presidente da Federação das Apaes do ES.