A era digital em que vivemos atualmente provoca uma série de modificações nas relações sociais, em geral, e nas relações de trabalho, em particular.
Nesse sentido, foram introduzidas, no mercado de trabalho, diversas inovações digitais, tais como: a divulgação de currículos por meio de plataformas digitais, capazes de potencializar de maneira significativa o perfil profissional do trabalhador, por maximizarem o alcance desses currículos; a consulta às redes sociais de candidatos a emprego e de empregados pela empresa, visando controlar eventuais condutas inadequadas.
Todavia, uma novidade que vem suscitando acalorada polêmica, nas relações de trabalho, concerne à possibilidade ou não de a empresa impor, aos seus empregados, atividades lúdicas em meios digitais, visando a divulgação dos seus produtos.
Trata-se, à guisa de exemplo, da gravação de vídeos para difusão em redes sociais, com empregados dançando e cantando paródias de músicas famosas, nas quais apresentem mercadorias daquelas empresas ao consumidor.
Apesar da sua inegável eficiência do ponto de vista comercial, por rapidamente viralizarem e atingirem um público ampliado, essas práticas demandam um debate de fundo sobre a sua validade jurídica.
Inicialmente, é fundamental destacar que o ponto chave do debate diz respeito à forma como tais materiais são produzidos: jamais poderá haver uma imposição de participação aos empregados, por não serem eles dançarinos ou cantores profissionais, sua contratação não tendo sido efetivada para tais funções.
Seria, assim, absolutamente abusivo, juridicamente examinando a questão, imaginar-se que, pela fidelidade que o empregado deve ter com o seu empregador, ele estaria obrigado a participar de tais produções digitais. Ele simplesmente não está.
Desse modo, caso a empresa deseje produzir tal conteúdo digital, o que é perfeitamente legítimo na atualidade, dado o já citado alcance significativo desta modalidade de marketing, ela deverá obter a concordância, por escrito – para que não restem dúvidas sobre ela – dos empregados que venham a participar deste tipo de material.
Além disso, deve haver uma cautela especial com aqueles empregados que possam se sentir constrangidos ou melindrados por tal colaboração “artística”: ainda que eles tenham, num primeiro momento, anuído em participar, se, ao longo do processo, eles vierem a se sentir desconfortáveis – eventualmente pelos trajes que tiverem que utilizar ou pelas danças e músicas que tiverem que performar -, eles não poderão, de forma alguma, ser punidos por tal hesitação, pois, como já salientado, esta não é a atividade para a qual foram contratados. Neste caso, a única medida que a empresa poderá tomar será o mero afastamento destes trabalhadores da atividade lúdica.
Vale sublinhar, ademais, que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, conhecida sob a sigla LGPD (Lei nº 13.709/18), veda o tratamento de dados pessoais – dentre os quais se insere, evidentemente, a imagem dos empregados envolvidos nestes produtos digitais – sem o consentimento dos seus titulares, fator que reforça a necessidade da concordância expressa dos empregados.
Em resumo, a participação de empregados em atividades lúdicas da empresa é possível juridicamente, desde que conte com a sua anuência expressa e não os submetam a situações vexatórias ou constrangedoras, em respeito à dignidade do trabalhador e ao valor social do trabalho, princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
Juiz do Trabalho do TRT do ES. Professor universitário. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e Previdenciário, pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne.