Reforma tributária: realidade ou ilusão?

João Paulo Barbosa Lyra
João Paulo Barbosa Lyra é advogado tributarista. Foto: Luian Valadão

Um modelo tributário simples, transparente, justo, não-cumulativo, neutro é prometido pela reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº. 132/2023, em dezembro de 2023.

Veio, portanto, como uma “Shangri-la” para solucionar todos os problemas do complexo sistema tributário nacional. Porém será que é isso tudo mesmo?

Muitas vezes, falamos algo querendo dizer outra coisa.

Por exemplo, se minha esposa, diante de um guarda-roupas abarrotado até o teto de roupas diz: “Amor, não vou à festa, porque estou sem roupa”, ela não está querendo dizer que não tem roupa; ela está dizendo que para aquela festa específica ela não tem a roupa.

Outro exemplo: se eu vou a uma festa e me perguntam: você gostou da festa? Se eu respondo: as cadeiras do estacionamento eram ótimas, eu estou querendo dizer que não gostei da festa.

Assim se dá com muitas das palavras vagas defendidas pela reforma tributária. Algumas vezes se diz algo querendo dizer outro algo; ou se diz alguma palavra para encobrir determinada realidade.

Modelo tributário simples?

A começar pela mudança constitucional com mais de 37 (trinta e sete) páginas de inovações constitucionais já se pode notar que de simples não tem nada…

Além disso, o chamado IBS (imposto sobre bens e serviços) será instituído e cobrado pelo Comitê Gestor do IBS.

Será um comitê composto por 54 (cinquenta e quatro) membros representantes dos 27 Estados e do Distrito Federal, assim como dos 5.568 municípios da Federação.

Será simples regulamentar e administrar tudo sim? Parece-me muito evidente que não. E mais: a regulamentação desse Comitê caberá à Lei Complementar Tributária com mais de 500 páginas…

E o que dizer da transparência propalada?

Ora, uma Emenda Constitucional que institui mais de 37 (trinta e sete) páginas ao texto constitucional, que requer aproximadamente 500 (quinhentas) páginas de Lei Complementar para sua regulamentação não parece em nada com a palavra transparência.

Muito ao contrário! Sob o manto da palavra transparência institui-se a opacidade!

Não-cumulatividade plena ou neutralidade? Muito menos.

Basta a leitura do texto constitucional para verificar a presença do chamado Imposto Seletivo, que deve incidir sobre a “produção, extração, comercialização, ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.

Tal tributo pode ter a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador de outros tributos. Além disso, em exportação de minério ou petróleo ele incidirá.

Não fossem esses 3 (três) aspectos já suficientemente perniciosos, o Imposto Seletivo poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos.

Só desses 3 exemplos já se pode ver que as apontadas neutralidade e não-cumulatividade plenas não são tão reais quanto defendidas nas palavras bonitas e de conteúdo semântico no mínimo duvidosos…

Fato é, porém, que a reforma tributária existe, é já uma realidade e com ela deveremos saber lidar, mas certamente ela está longe de ser o que prometido: um sistema justo, simples, transparente, neutro e de plena não-cumulatividade.

João Paulo Barbosa Lyra

Advogado tributarista

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