Cautela na prestação de contas: o equilíbrio do juiz eleitoral

Hélio Pepe é advogado. Foto: Acervo pessoal

A regulação eleitoral brasileira é uma conquista significativa para a transparência e legitimidade dos processos eleitorais.

Ao estabelecer normas e critérios para que os candidatos prestem contas dos recursos arrecadados e aplicados durante as campanhas, garante-se uma disputa justa e equânime.

No entanto, a aplicação dessas normas exige do juiz eleitoral uma ponderação cuidadosa para que o rigor técnico não resulte em desprestígio ao voto e à intenção do eleitor, podendo produzir ruídos de comunicação com a imprensa e a sociedade civil.

Isso porque há distorções, especialmente daqueles que desconhecem o assunto, entre o processo de prestação de contas e suas principais consequências: cassação do mandato e aplicação de sanção de inelegibilidade.

Prestação de contas assegura integridade das eleições

A prestação de contas, não custa lembrar, é um dos mecanismos essenciais para assegurar a integridade das eleições, permitindo que a sociedade tenha conhecimento sobre a origem dos recursos utilizados e a forma como foram gastos.

Assim, a reprovação das contas de campanha, quando devidamente fundamentada, é uma medida legítima que pode revelar irregularidades e, em casos extremos, ensejar a inelegibilidade do candidato.

A depender da irregularidade constatada, supondo que o caso envolve dinheiro público do Fundão Eleitoral ou Fundo Partidário, pode haver determinação de devolução dos valores à União.

Rigor na análise das contas

O rigor excessivo na análise das contas, contudo, tem consequências desproporcionais por desconsiderar a expressão da soberania popular.

Quando pequenas falhas formais ou erros contábeis de menor tamanho são punidos com severidade, a decisão judicial pode afastar da disputa eleitoral candidatos que possuem grande respaldo junto ao povo, comprometendo a própria essência democrática do processo eleitoral.

Imaginemos o seguinte exemplo hipotético. Um candidato a deputado federal que, com campanha declarada de R$ 500 mil e aproximadamente 40 mil votos, tem suas contas reprovadas pela ausência de comprovação de uma despesa de apenas R$ 1 mil.

Sanção desproporcional

Embora a falha seja inegável, a sanção aplicada é desproporcional quando contrastada com o impacto da irregularidade frente ao total da campanha, além do expressivo número de eleitores que confiaram seu voto ao candidato.

Neste caso, a reprovação das contas poderia vetar a participação no processo eleitoral de um forte postulante – baseado em apelo popular – ao cargo de parlamentar.

Para evitar um contraponto desnecessário entre a vontade da população e o trabalho do Poder Judiciário, a atuação do juiz eleitoral deve ser guiada por princípios como proporcionalidade e razoabilidade.

A autocontenção judicial, diante desse contexto, é fundamental.

O magistrado, ao apreciar irregularidades nas prestações de contas, deve ponderar os efeitos da decisão para que não se penalize o candidato de forma exacerbada e, consequentemente, os eleitores que nele depositaram sua confiança.

Em resumo, deve haver uma busca pelo equilíbrio e bom senso no cumprimento das regras.

A regulação não deve se transformar em um obstáculo ao exercício da cidadania, especialmente quando as irregularidades detectadas não representam um comprometimento substancial da lisura do pleito.

O rigor técnico deve coexistir com a valorização do voto, uma vez que a soberania popular é a base de todo o sistema democrático.

A propósito, a supremacia do voto e da intenção do eleitor é o eixo norteador das decisões judiciais, inclusive ao reservar sanções mais severas para situações em que a irregularidade contábil seja expressiva a ponto de comprometer a legitimidade do mandato.

Em um ambiente democrático, a função do juiz não é apenas garantir o cumprimento estrito das normas, mas assegurar que a aplicação dessas regras esteja em consonância com os princípios constitucionais.

A proteção do voto não implica leniência com a corrupção ou com desvios, mas sim um cuidado redobrado para que o rigor técnico não afaste do processo democrático candidatos que, mesmo com pequenas falhas, tenham recebido significativo apoio popular.

Não se trata de tolerar irregularidades, mas garantir que a rigidez excessiva na aplicação da lei não se torne um fator de desestímulo à participação política.

O fortalecimento da democracia, portanto, depende da aplicação justa e proporcional das normas, preservando a confiança dos eleitores no sistema e garantindo que a sua vontade, expressa nas urnas, seja efetivamente respeitada.

Hélio Pepe

Advogado, sócio-fundador do SGMP+ Advogados, mestre e doutorando em Direito

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